Assédio sexual

Por: Janguiê Diniz
01 de Dez de 1997

"O problema da importunação acediosa para com a mulher trabalhadora é mais patente perante a classe das domésticas e das secretárias. ”


Inicialmente, de ressaltar que, apesar de ser lugar comum dizer-se que tanto os homens quanto as mulheres podem ser sujeitos passivos do assédio sexual, as pesquisas que vêm sendo realizadas nos têm mostrado que, na maioria das vezes, as vítimas são as mulheres. Nesse contexto, com perfume de brevidade, será posta nossa contribuição sobre o tema.


Iniciaremos o trabalho definindo o vocábulo "assédio". Socorremo-nos do Aurélio l para asseverar que o termo "assediar" significa "perseguir com insistência, importunar, molestar com perguntas ou pretensões insistentes" Outrossim, o assédio sexual pode ser consubstanciado por atos tais como gestos, comentários jocosos e desrespeitosos ao sexo Oposto, afixação de material pornográfico, avanços de natureza sexual, etc., por parte de qualquer pessoa, principalmente de superior hierárquico, chefe, supervisor, encarregado, gerente, preposto, colega de trabalho, cliente, etc.


Ampliando a seara de considerações, frise-se que para certo autor, o assédio sexual "é uma forma de discriminação e de abuso de poder, sobretudo, uma violência contra as mulheres". Do ponto de vista sociológico, é uma forma de dominação das mulheres pelos homens, pois que são eles desde a infância educados dessa forma.


De notar, entretanto, que não são somente as mulheres que sofrem esse tipo de problema. Os homens, também, podem ser sujeitos passivos, embora as estatísticas mundiais mostrem que, na sua maioria, as vítimas são as mulheres.


Nesse opúsculo trataremos do assédio sexual como importunação sofrida pela mulher, principalmente a trabalhadora através de cantadas agressivas, de propostas indecorosas e humilhantes por parte do empregador, seu representante legal como gerente, capataz, diretor, dirigente, etc.


Aumentando a área de manifestação, auspicioso ponderar que o problema do assédio sexual por parte de superior hierárquico vem se tornando comum não só no Brasil como também nos países do além-mar. No Brasil, inúmeros casos já vieram à tona, como o de certo dirigente de partido político no Rio Grande do Sul, denunciado por dezenas de mulheres em face de "piadinhas grosseiras e insinuações sexuais" para com as militantes daquele partido. Outro caso que também veio a público foi a denúncia de certa funcionária da ECT, que acusou o então diretor daquela empresa de tê-la transferido por não ter aceitado as suas cantadas. Outrossim, é particularmente triste observar o que se passa no interior dos transportes coletivos do País que estão sempre lotados e, as mulheres, que não dispõem de vagões e ônibus próprios, são vítimas de atitudes assediantes e até abusos sexuais por parte de certos passageiros.


A guisa de ilustração, e no afã de ampliar a égide de discussão, não podemos deixar de registrar os escritos publicados em brilhante texto no JORNAL TRABALHISTA por Adélson do Carmo Marques3 . Enfatiza o citado autor que é muito comum a questão do assédio sexual não só no Brasil, mas também no estrangeiro, e cita uma manchete publicada na Folha de São Paulo de 12.05.94, pág. 39, nos seguintes termos: "Estagiária grava Assédio Sexual de Diretor no PR". Outrossim, coloca de manifesto em seu artigo dois casos de repercussão internacional. Um de uma executiva dos Estados Unidos que obrigou um subalterno a tornar-se seu amante. Este empregado, em face do ocorrido, se demite e depois ajuíza ação pleiteando reparação por danos morais. O outro caso citado é o do atual Presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, que foi acusado por uma funcionária do partido a que pertencia, de assédio sexual. Acrescentamos aos exemplos citados o caso muito famoso de um juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, que, em virtude de denúncias por parte de sua secretária de que o mesmo a assediou, teve dificuldade em ser nomeado juiz daquela Corte Suprema. Recentemente, também nos Estados Unidos, certo senador, presidente de importante comissão perante o Senado americano, teve que renunciar, por ter sido denunciado por dezenas de mulheres que o acusavam de assédio sexual. Ademais, nos Estados Unidos, um júri condenou o editor da revista Spin, Bob Guccione, a pagar indenização de US$ 100 mil à assistente editorial da publicação, Stacy Bonner, de 29 anos, por ter sido considerado culpado de manter um ambiente hostil na redação com assédio sexual.
Aqui no Brasil, como foi dito, a questão é muito comum

, embora, a maioria das vítimas não denuncie o fato às autoridades. As causas da não-objetivação das denúncias são as mais diversas. Na maioria das vezes, as vítimas não denunciam por temor de perder o emprego. Noutros casos por medo de sofrerem retaliação por parte do empregador acusado. Entrementes, a causa mais forte, em nossa ótica, é exatamente a cultura brasileira, que é imensamente machista, a chamada sociedade do "Femeeiro", de Gilberto Freyre em Casa-Grande & Senzala. Ainda hoje, para a maioria das pessoas um ato dessa gravidade é muito normal no bojo de nossa sociedade.


Importante ressaltar que não há confundir relacionamento ativo entre homens e mulheres caracterizados pela reciprocidade com o assédio sexual, embora a fronteira entre o assédio e o relacionamento ativo seja muito tênue. A simples cantada ou a paqueração constante, embora possa vir a ser considerado assédio, com este, à primeira vista, não se confunde. A cantada poderá se transformar na importunação acediosa se for feita de forma agressiva, ou se for oferecido favores em troca da facilitação sexual por parte da mulher.


Recrudescendo a área de análise, registramos que o problema da importunação acediosa para com a mulher trabalhadora é mais patente perante a classe das domésticas e das secretárias. Em relação às secretárias, verbi gratia, o problema é tão grave que o Sinsesp — Sindicato das Secretárias do Estado de São Paulo, preocupado com o alto índice de reclamações de suas associadas, elaborou uma cartilha contendo diversas orientações. Consta nessa cartilha que a maioria das mulheres não denuncia o assédio sexual por vários motivos como: 1) medo de represálias ou retaliação: a) medo de perderem o emprego, já que dependem dele para sobreviver; b) medo de serem rebaixadas; c) de serem transferidas; 2) não querem se expor ao ridículo frente aos colegas, familiares e amigas; 3) medo de perderem a carta de referência; 4) por simples dificuldade de falar; e 5) por acreditar que não há recursos para tratar de maneira eficaz o problema.


O Sinsesp elaborou recentemente uma pesquisa com 1.040 mulheres, obtendo os alarmantes dados: 26,83% das mulheres entrevistadas já foram vítimas de assédio sexual; 24,71% conhecem mais de uma pessoa que foi vítima de assédio; 59% das pessoas que cometem assédio sexual são de classe mais alta; 14,33% das mulheres sofreram represálias (demissão, perda de promoção, transferência, ambiente hostil) em decorrência de repulsa ao assédio.


Registre-se que constranger, segundo o Auréli08 significa "tolher, cercear, violentar, forçar, coagir". Portanto, em face da coação, do constrangimento, que pode ser físico ou psicológico, a mulher trabalhadora é coagida a praticar ato sexual com seu superior hierárquico, tal fato pode ser tipificado como um dos crimes previstos nos preceptivos mencionados ut supra.


Portanto, em sendo ajuizado a competente Ação Trabalhista pela mulher obreira, em reivindicando sua indenização trabalhista cumulada com indenização pelo dano moral em face do assédio sexual "verbal" ou "físico", deverá o magistrado trabalhista oficiar à delegacia de polícia para que seja aberto o competente inquérito policial com o afã de serem apurados os delitos penais.


NOTAS


1 De Holanda Ferreira, Aurélio Buarque: Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 15a ed., Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, pág. 147,


2 É claro que o mesmo pode ocorrer com empregado homem. Ou seja, este pode ser importunado através de reiteradas cantadas por parte de superior hierárquica mulher, etc. Embora, em número maior ocorra quando se trata da mulher trabalhadora. Aqui nos fixaremos apenas no assédio para com a empregada mulher.


3 "O Assédio Sexual no Trabalho: Um problema Penal, Civil ou da Justiça do Trabalho" in JORNAL TRABALHISTA, ano XI, nQ 510, 569.


4 Em Casa-Grande & Senzala, Gilberto Freyre disse com muita propriedade: "Nenhuma casa-grande do tempo da escravidão quis para si a glória de conservar filhos maricas ou donzeIões. O que sempre se apreciou foi o menino que cedo estivesse metido com raparigas. Raparigueiro, como ainda se diz. Femeeiro. Deflorador de mocinhas. E que não tardasse em emprenhar regrasn aumentando o rebanho e capital paternos". Apud "Assédio Sexual com Jeitinho bem Brasileiro" — Veja de 15 de fevereiro de 1995.


5 Leia-se a revista Veja de 15 de fevereiro de 1995, págs. 80-85 — reportagem intitulada "Assédio Sexual com Jeitinho bem Brasileiro".


6 reportagem foi apresentada no programa Fantástico na TV Globo em 25.06.95.


7 Diário de Pernambuco de 1 2 de junho de 1997, pág. 014. 8 Op. cit., pág. 370.


JOSÉ JANGUIÊ BEZERRA DINIZ é Procurador do Trabalho do MPU, (ex-juiz do Trabalho); Professor da Fac. de Direito do Recife (UFPE); Doutorando em Direito Público (UFPE); Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos do Direito; Membro e Professor do Bureau Jurídico - Desenvolvimento Profissional do Recife (PE).

Transformando

Sonhos em Realidade

Na primeira parte da minha autobiografia, conto minha trajetória, desde a infância pobre por diversos lugares do Brasil, até a fundação do grupo Ser Educacional e sua entrada na Bolsa de Valores, o maior IPO da educação brasileira. Diversos sonhos que foram transformados em realidade.

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