Controle incidental de constitucionalidade das normas

Por: Janguiê Diniz
14 de Out de 1997

As normas que regem uma sociedade estatal se acham estruturadas sistematicamente de tal forma que possuem valores diferentes. Com efeito, em face da normatização hierárquica, a Lex Fundamentalis de qualquer Estado é considerada a norma fundamental já que é ela que dá a validade das demais normas da ordenação jurídica daquele Estado.


Foi Kelsen quem tentou, por intermédio de uma pirâmide, demonstrar os diferentes escalões normativos existentes num Estado. No magistério desse pensador, uma norma para ser válida é preciso que busque seu fundamento de validade em uma norma superior, e assim por diante, de tal forma que todas as normas cuja validade pode ser reconduzida a uma mesma norma fundamental formam um sistema de normas, uma ordem normativa.


Pinto Ferreira, por seu turno, obtempera que o princípio da supremacia constitucional é reputado como uma pedra angular, em que assenta o edifício do moderno direito político.


Nesse sentido, qualquer preceito normativo para ser válido e eficaz tem de ser produzido em observância a norma superior ou fundamento de validade, não podendo, a norma inferior, ir jamais contra a norma superior, pois que é a norma superior ou constitucional que representa a mais eficaz garantia de liberdade da dignidade dos indivíduos.


Mas como isso é suscetível de ocorrer, o Poder Judiciário, Órgão imparcial, e não político, tem a missão primacial de controlar a eficácia das disposições constitucionais, controlando a constitucionalidade das normas infraconstitucionais.


Ab initio ressalte-se que pelo princípio da presunção da constitucionalidade das leis e atos normativos a norma, a priori, deve ser considerada constitucional, até que se prove o contrário. Em havendo dúvida, no afã de elidir a insegurança jurídica, a própria Constituição já prevê a ação declaratória de inconstitucionalidade, que tem efeito erga omnes, vinculando a todos (CF artigo 101, parágrafo 22 da CF).


Na nossa ordenação jurídica positiva, o controle da constitucionalidade das leis é feito de duas formas: pelo método difuso ou incidental, também chamado de controle por via de defesa ou exceção, sistema tipicamente norte-americano, utilizado também no Japão do pós-guerra, no qual todos os órgaos jurisdicionais podem declarar a inconstitucionalidade de leis de forma preliminar; e pelo controle concentrado ou por via de ação direta, também chamado de controle principal, sistema tipicamente austríaco, utilizado também na Alemanha.


No Brasil, o sistema concentrado é feito por intermédio do Supremo Tribunal Federal, e se verifica no momento da apreciação da lei em tese (não aplicada a um caso concreto). No contexto, a decisão proferida na ação declaratória de inconstitucionalidade opera efeito ex tunc, ou seja, a norma declarada inconstitucional não produz efeitos jurídicos válidos.


Constata-se, como visto, que no Brasil o sistema é misto, utilizado para controlar a constitucionalidade das leis, o sistema difuso ou incidental, por via de defesa ou exceção, e o sistema concentrado, principal ou por via de ação.
O controle concentrado, principal ou por via de ação, demanda a interposição da ação direta de inconstitucionalidade no STF, como foi visto acima.


Já pelo método difuso ou incidental, qualquer juiz pode afastar ou deixar da aplicar a lei que considera inconstitucional. No caso, o juiz monocraticamente não declara a inconstitucionalidade, apenas deixa de aplica-la por achada inconstitucional.

Se por acaso o processo chegar por meio de recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, e este também a declarar inconstitucional, será comunicado ao Senado Federal para que suspenda a vigência da lei. Após a publicação da resolução do Senado, a vigência da norma é retirada do mundo jurídico.


A declaração pelo sistema difuso demanda maioria absoluta de seus membros, ou dos membros do órgão especial (artigo 97 c/c artigo 93, XI da CF) (3) como procedimento incidental a um recurso, mesmo de ofício, ou em processo de uma competência originária.


Objeto


Nos moldes do artigo 480 do CPC, a arguição de inconstitucionalidade é de "lei ou de ato normativo do poder público". Ai compreende a lei em seu sentido formal, ou seja, a ordinária, a complementar, a emenda a Constituição, a lei delegada, a medida provisória, o decreto legislativo, a resolução, o decreto regulamentar e qualquer outro ato normativo que tenha surgido do poder público federal, estadual ou municipal, inclusive normas dos regimentos internos dos tribunais.


Para verificação incidente, não se deve distinguir entre lei estadual, federal ou municipal, e o conflito pode ser tanto da lei local com a Constituição Federal quanto com a Constituição Estadual. Não há o que se distinguir entre a arguição baseada em regra insculpida na Constituição Federal e fundada em dispositivo de Constituição Estadual.


A inconstitucionalidade pode ser tanto a formal quanto a material.


Sobre o assunto vaticina Barbosa Moreira que, embora a lei só se refira a arguição perante "turma da câmara", deve-se entender também aceitável a arguição perante outros órgãos fracionários de tribunais, como os grupos de câmaras e as segues, não sendo possível quando a competência for do órgão especial ou do plenário, pois ele próprio pode decidir sobre a inconstitucionalidade.


Legitimidade/momento da arguição


Detém legitimidade para arguir incidente qualquer das partes, o assistente, o litisconsorte, o Ministério Público como parte, ou custos legis, e ainda ex ofício a relator, o revisor, ou qualquer juiz componente do órgão "fracionário", pois por ser matéria de direito, que não preclui, a iniciativa oficial é sempre admissível'.


No tocante ao momento da arguição, como foi dito anteriormente, singularmente o juiz poderá deixar de aplicar a norma que a seu talante for inconstitucional. No caso, ele não declara expressamente a inconstitucionalidade.


Por outro lado, os processos sujeitos a julgamento pelos tribunais por meio de recursos, mesmo obrigatório em face do duplo grau de jurisdição, ou em causas de competência originária, a arguição por qualquer das partes pode ser feita em qualquer peça do processo, na inicial, na contestação, nas raz6es recursais, em petição avulsa ou até verbalmente por ocasião da sustentação oral.


Se a arguição for de iniciativa do Ministério Público, este poderá fazer a qualquer momento que lhe caiba falar nos autos. Ou seja, se parte, naqueles momentos em que tenha que objetivar qualquer ato jurídico processual. Se fiscal da lei, por ocasião da sua manifestação por meio do parecer, ou verbalmente na sessão.


Os juízes componentes do tribunal poderão suscitar o incidente como preliminar de seus votos na sessão de julgamento do feito, embora possam suscitar a qualquer momento durante a sessão, até o encerramento da votação, enquanto não anunciado pelo presidente o resultado do julgamento.


Procedimento


Arguida por quem detém a legitimidade, ao órgão do tribunal encarregado do julgamento do processo, mister se faz a ouvida do membro do Ministério Público, salvo se a arguição tiver sido objetivada por ele próprio. Por outra parte, se a arguição tiver sido objetivada de forma previa, o Ministério Público, por ocasião do parecer, já tomou conhecimento dela. Em sendo durante a sessão, a este será dada vista para se pronunciar, suspendendo-se o julgamento.


Após a manifestação do Ministério Público, em mesa ou em forma de vista regimental, o órgão passa a deliberar sobre a arguição, devendo-se observar os regimentos internos dos tribunais, uma vez que o CPC é silente quanto ao procedimento.


Se a maioria dos votantes for contraria ao acolhimento, a arguição será rejeitada, prosseguindo-se o julgamento. Se o órgão der acolhida arguição, o julgamento será suspenso, lavrando-se um acordão e, por via de consequência, será remetido a vexata quaestio ao órgão especial do tribunal para apreciação (CF artigo 93, XI), ou ao plenário conforme dispuser o seu regimento.


Sobre o assunto ensina Barbosa Moreira que a arguição pode ser acolhida ou rejeitada quer in toturn, quer parcialmente, pois nada impede que o "órgão fracionário" entenda incompatível com a Constituição apenas uma parte da lei ou do ato normativo objeto da arguição.


Ademais, segundo ele, pode ocorrer, se arguiu a inconstitucionalidade de mais de uma lei ou de mais de um ato normativo, que o "órgão fracionário" a acolha em relação a alguma ou algumas das leis, ou a algum ou alguns dos atos, e rejeite quanto ao mais. A decisão que rejeitou ou acolheu a arguição é irrecorrível.


É de competência do plenário do tribunal, ou do órgão especial conforme dispuser o regimento, julgar a prejudicial de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público. Em face do silencio do CPC, as normas interna corporis dos tribunais devem reger quanto ao procedimento.


Ao plenário ou órgão especial é vedado devolver quaestio facti ou quaestio juris, salvo a questão Única e exclusiva da inconstitucionalidade.


Uma vez remetida a questão da inconstitucionalidade ao plenário ou órgão especial, remete-se a todos os juízes componentes do órgão cópia do acordão proferido pelo "órgão fracionário" (CPC, artigo 482), em seguida o presidente do órgão designa a sessão de julgamento do incidente com observância do previsto no artigo 552, parágrafos e 29 do CPC (10/11).

Não estará o órgão especial ou plenário encarregado do julgamento adstrito aos fundamentos indicados na arguição. A arguição pode ter-se fundado na alegada incompatibilidade entre a lei ou o ato normativo e a regra x, e o tribunal declarar inconstitucional uma ou outro por incompatível com a regra y. Não ha que cogitar-se de vinculação do tribunal a uma suposta causa petendi, até porque a arguição não constitui “pedido" em sentido técnico e as questões de direito são livremente suscitáveis, ex ofício pelos Órgãos judiciais, na área em que lhes toque exercer atividade cognitiva(12). A cognição do plenário ou órgão especial, portanto, é completa.


O julgamento do incidente demanda presença da maioria absoluta dos membros do órgão especial ou plenário. Ademais, é necessário também que haja homogeneidade de votos da maioria absoluta dos membros do órgão ou plenário para que seja aprovada. Caso não se atinja o quórum ou, atingindo, haja votos heterogêneos, não se declarará a inconstitucionalidade.


A decisão que declara ou não a inconstitucionalidade vincula o "Órgão fracionário" apenas quanto aquele processo. Ou seja, a eficácia do pronunciamento é apenas intraprocessual. Isso implica que pode noutro feito voltar a ser arguida a inconstitucionalidade daquele mesmo ato do poder público.


Publicado o acórdão do tribunal plenário ou Órgão especial, devolvem-se os autos ao "órgão fracionário", que retomara o julgamento norteando-se pelo que ficou decidido quanto a questão prejudicial, qual seja, a declaração da inconstitucionalidade ou não.


Por fim, registre-se, por oportuno, que a decisão do "órgão fracionário" que acolhe ou não a arguição e irrecorrível. Da mesma forma, perante o Órgão especial ou plenário, a decisão que declara ou não a inconstitucionalidade da lei ou do ato também é irrecorrível, admite-se recurso apenas do acórdão do "órgão fracionário" que decidir o processo, já que somente com esse acórdão se completara o julgamento.

Transformando

Sonhos em Realidade

Na primeira parte da minha autobiografia, conto minha trajetória, desde a infância pobre por diversos lugares do Brasil, até a fundação do grupo Ser Educacional e sua entrada na Bolsa de Valores, o maior IPO da educação brasileira. Diversos sonhos que foram transformados em realidade.

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