Doutrina a atual legitimação sindical anômala ou extraordinária - ampla, total e irrestrita

Por: Janguiê Diniz
05 de Abr de 1995

JOSÉ JANGUIÊ BEZERRA DINIZ
Procurador do Trabalho do Ministério Público da União


De acordo com art. 8o, inc. III, da Constituição Federal: "ao sindicato dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas".

Acerca desse preceptivo, debate acirrado surgiu no sentido de saber se ele assegurava ou não aos sindicatos representantes da categoria profissional a figura da substituição processual, também nominada de legitimação anômala ou extraordinária.

Apenas à guisa de ilustração, um rápido bosquejo sobre o instituto da substituição processual se faz mister para ao final concluirmos se o preceptivo retro assegura ou não aos sindicatos o direito de agir como substituto processual da categoria profissional que representa.

O art. 6o do CPC define o instituto da substituição processual quando arremata: "Ninguém poderá pleitear em nome próprio direito alheio, salvo quando autorizado por lei."

Em interpretando esse dispositivo, extrai-se a ilação de que uma terceira pessoa só poderá pleitear direitos alheios em seu próprio nome, apenas e quando houver lei autorizando esse pleito.

Tal fato pode ocorrer, por exemplo, em seara de direito comum, com o marido na defesa dos bens dotais da mulher, com o Ministério Público na ação de acidente do trabalho (art. 68 do CPC) ou na ação civil de indenização do dano ex delicto, quando a vítima for pobre. Outrossim, a Lei 7.347/85, que instituiu a ação civil pública, reconheceu legitimidade excepcional para as associações civis e outras entidades, para, na defesa de direitos que não são próprios, demandar em juízo, em nome próprio, a responsabilidade por danos ao meio ambiente, ao consumidor e aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Tudo isso porque existe lei autorizando.

Conclui-se, ademais, que quando o advogado pleiteia em nome de terceiros direito de terceiros não ocorre substituição, processual mas a figura da representação processual.
Demais disso, no Direito Processual Comum há casos de substituição processual em que a parte processual é pessoa distinta daquela que é parte material do negócio jurídico litigioso. Uma dessas hipóteses ocorre quando a parte, na pendência do processo, aliena a coisa litigiosa ou cede o direito pleiteado em juízo. Embora o alienante deixe de ser sujeito material da lide, continua a figurar na relação processual como parte (sujeito do processo), agindo em nome próprio, mas na defesa de direito material de terceiro, o adquirente (art. 42 do CPC).

Vê-se que processo é fonte autônoma de bens. Desse modo o direito substancial pode ser transferido sem afetar o direito processual, assim como a ação pode ser transferida, independentemente do direito substancial.

Em sede de Direito Processual Trabalhista, entediamos que a substituição processual ou legitimação extraordinária, por ser uma anomalia jurídica, somente seria permitida quando expressamente autorizada pela lei, sendo essa a intelecção contida no art. 6° do CPC.

Nosso entendimento tinha como referencial o que escreveu Pontes de Miranda(1): "Compreende-se que só a lei possa estabelecer que alguém exerça, em nome próprio, direito alheio. A titularidade do direito é que leva à pretensão e à ação de direito material, remédio jurídico processual. O que o art. 6o do CPC estatui é que não pode dizer que tem direito, pretensão e ação quem não é titular do direito, e, pois, também não o é da pretensão e da ação: mais ainda, não pode exercer a ‘ação', qualquer que seja a espécie, como se titular fosse mesmo admitindo que o direito é alheio... Só lei especial pode atribuir a alguém o poder de exercer a pretensão pré-processual e a processual em nome próprio."

Na CLT a figura de legitimação extraordinária era patenteada nos casos dos arts. 872 e 195, § 2o. Da literalidade desses artigos, observava-se que existia claramente a figura dupla subjetiva do substituto e do substituído.

Tínhamos o entendimento de que a Lex Fundamentalis de outubro de 1988, ao abordar a matéria no art. 8o, inc. III, não tratava de substituição processual e sim de legitimação ordinária, porquanto tinha apenas elevado a nível constitucional a obrigatoriedade consagrada em lei ordinária do sindicato da categoria de prestar assistência judiciária aos respectivos trabalhadores, genericamente, sem ressalvas, agasalhando a categoria.

No contexto, a legislação ordinária, pós-constituição de 1988, dispôs sobre substituição processual de forma ampliativa, em relação aos substituídos, passando à legitimação anômala do sindicato, antes limitada aos associados, para agasalhar todos os integrantes da categoria. Neste sentido foram as Leis 7.708/89, que tratava de política salarial, 7.839/89, 8.036/90, que se referia ao FGTS, e a de no 8.073/90, que também tratava de política salarial.

Noutro falar, achávamos que a previsão legal infra constitucional autorizava a legitimação dos sindicatos, para, em nome próprio, atuar judicialmente em defesa dos direitos individuais da categoria, no que pertinisse à política, FGTS, insalubridade, periculosidade e direitos obtidos em sentenças normativas.

Inclusive, o Enunciado 310 do Colendo TST veio e corroborou o nosso antigo ponto de vista quando enfatizou, in verbis:
"I) O art. 8o, inc. III, da Constituição da República, não assegura a substituição processual pelo sindicato.
II) A substituição processual autorizada ao sindicato pelas Leis 6.708 de 30-10-79 e 7.218 de 29-10-84, limitada aos associados, restringe-se às demandas que visem aos reajustes salariais previstos em lei, ajuizadas até 3 de julho de 1989, data em que entrou em vigor a Lei 7.788.
III) A lei 7.788/89, em seu art. 8o, assegurou, durante sua vigência, a legitimidade do sindicato como substituto processual da categoria.
IV) A substituição processual autorizada pela Lei 8.073, de 30 de julho de 1990, ao sindicato alcança todos os integrantes da categoria, e é restrita às demandas que visem a satisfação de reajustes salariais específicos resultantes de disposição prevista em lei de política salarial.
V) Em qualquer ação proposta pelo sindicato como substituto processual, todos os substituídos serão individualizados na petição inicial, e, para o início da execução, devidamente identificados, pelo número da Carteira de Trabalho e Previdência Social ou de qualquer documento de identidade.
VI) É lícito aos substituídos integrar a lide como assistente litisconsorcial, acordar, transigir e renunciar, independentemente de autorização ou anuência do substituto.
VII) Na liquidação da sentença exequenda, promovida pelo substituto, serão individualizados os valores devidos a cada substituído, cujos depósitos para quitação serão levantados através de guias expedidas em seu nome de procurador com poderes especiais para esse fim, inclusive nas ações de cumprimento.
VIII) Quando o sindicato for o autor da ação na condição de substituto processual não serão devidos honorários advocatícios.

Entrementes, é particularmente jubiloso consignar, mudamos nosso ponto de vista. Primus porque quando o TST declarou que o inc. II do art. 8o da Constituição Federal não era autoaplicável, não tinha competência para fazê-lo. É que em se tratando de matéria
constitucional, em virtude da relevância e das implicações práticas que a edição de um enunciado acarreta, estamos que Guilherme Mastrichi Bas so(2) tem razão quando assevera que "não deve o Tribunal Superior do Trabalho fazê-lo". Secundus porque, sendo o Supremo Tribunal Federal o "guardião-mor" da Lex Legum, é a ele que cabe dar em última instância a interpretação sobre a elaboração e edição de Súmula a respeito de matéria constitucional (art. 102, caput, da CF/88). Tertius porque pode o Supremo Tribunal Federal contrariar interpretação desse naipe, dada pelo Tribunal Superior do Trabalho, e essa interpretação de fato ocorreu.

Foi em sessão plenária realizada em 7 de maio de 1993, apreciando o Mandado de Injunção n°347-5, sendo impetrante o Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal em Santa Catarina e impetrado o Excelentíssimo Senhor Presidente da República, figurando como Relator o Ministro Néri da Silveira, acórdão publicado no DJU de 8-4-94, insta do a enfrentar preliminar de ilegitimidade de parte do sindicato impetrante, arguida pela Consultoria-Geral da República, à unanimidade, entendeu ser caso de substituição processual a figura prevista no inc. III do art. 8o da Carta Magna de 1988, bem como se tal dispositivo autoaplicável, concluindo pela rejeição da prejudicial, e, por isso mesmo, reconhecendo expressamente a legitimação da entidade sindical impetrante para residir em juízo.

Com efeito, e à guisa de arremate, "se cabe ao Supremo Tribunal Federal dar a última palavra em matéria constitucional, e, tendo este se pronunciado pelo seu Plenário de forma unânime, no sentido da autoaplicabilidade do inc. III do art. 8o da Constituição Federal de 1988, estamos que equivocada a primeira premissa do Enunciado 310 do TST" que assevera não ser autoaplicável o inc. III do art. 8o da Constituição.

Noutro falar, a substituição processual na Justiça do Trabalho permitida aos sindicatos(3), diferentemente do que pensávamos, e do que pensa o TST, hoje é ampla total e irrestrita, pois que assim decidiu o Supremo Tribunal Federal, órgão supremo do Poder Judiciário.

Neste espírito, é prerrogativa do sindicato substituir processualmente os membros da categoria que representa de forma ampla e irrestritamente.

NOTAS:
1. MIRANDA, Pontes: Comentários ao Código de Processo Civil de 1973, Tomo I, p. 200/201.
2. BASSO, Guilherme Mastrichi: "Da pertinência do cancelamento do Enunciado 310 do TST", in Revista LTr, 58, n° 9, setembro de 1994.
3. As associações não têm essa legitimidade tão ampla como os sindicatos, pois necessita, diferentemente dos sindicatos, para ter legitimidade para representar seus filiados, judicial ou extrajudicialmente, de autorização escrita.

 

Transformando

Sonhos em Realidade

Na primeira parte da minha autobiografia, conto minha trajetória, desde a infância pobre por diversos lugares do Brasil, até a fundação do grupo Ser Educacional e sua entrada na Bolsa de Valores, o maior IPO da educação brasileira. Diversos sonhos que foram transformados em realidade.

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