Justiça do trabalho e direito alternativo

Por: Janguiê Diniz
04 de Nov de 1994

1 - CONSIDERAÇÕES INICIAIS


Existe um grande movimento que se expande como a Itália, a França, a Espanha e, aqui na Brasil, no México, no Chile, Argentina, Colômbia, espontâneo, inicialmente desorganizado, que teóricas diversificadas e tem como escopo maior Direito. Objetiva-se rever o Direito em suas múltiplas política e com a sociedade. Esse movimento recebe do assunto diversas terminologias como: Novo do Direito, juridicidade alternativa, estética jurídica, uso alternativo do Direito e Direito alternativo. Consideraremos nesse estudo apenas as terminologias do Direito e Direito Alternativo, pois, se restrito, são termos antagônicos.


Alternativo, nas palavras de Aurélio Buarque quer dizer "que se diz ou faz com alternação. se pode escolher a que mais convenha"


Tarso Fernando Genro 2, em brilhante artigo Contra a Lei, inicia o seu trabalho indagando: "Um ao julgar uma ação judicial de um negro, cujo obstáculo uma lei que sustenta o apartheid, deve e responde afirmando que, se esta pergunta magistrados aqui no Brasil, a grande maioria afirmativa, ao argumento de que nesse caso a lei, vez que o apartheid não tem sustentação é anti-humano e carece de qualquer valor.


É claro que, in casu, o juiz que protegesse o africano estaria violando o direito positivado daquele caso, afrontando o princípio da legalidade, visto sustenta o apartheid não permite o julgamento.


Entrementes, para o mesmo autor, o julgamento princípio, não seria considerado aberrante, desde jurídica, política e moral suportasse o julgamento de superior interesse social pu humano.


O citado autor, no mesmo artigo assevera Nazismo como no Stalinismo os juízes não julgavam embora pudessem eventualmente julgar contra jurídicas que o contrariassem secundariamente".


Ampliando o quadro de análise e à guisa de política frisar que, durante a formação e estatal moderno, é possível destacar duas matrizes o jusnaturalismo e o positivismo jurídico.


O jusnaturalismo, que é produto do racionalismo do século XVIII, refletiu as condições da burguesia capitalista ascendente.


O jusnaturalismo é um sistema de normas fundamentam o Direito positivo porque é natureza humana. É o direito de Deus. Ex.: um título prescrito não é mais devedor para o direito para direito natural, para o direito de Deus.


Hugo Grotius, citado por Gilvandro de define o direito natural como sendo "a norma da ser alguma ação moralmente necessária ou má, não conforme com a razão natural e, assim, seja por Deus, autor da natureza". Louis Le Fur, citado frisa: "É a expressão mesma da idéia de Justiça". Pena, também mencionado pelo citado escritor, conjunto de princípios jurídicos, arraigados em regulam a vida social humana, prescrevendo dar seu"
Para Lyra Filh04 "...O jusnaturalismo é o planos: o que se apresenta nas normas e o que nelas se para que sejam consideradas boas, válidas e Por outro lado, a Revolução Industrial e como o enriquecimento da burguesia, acabaram positivismo, no qual os valores essenciais são materialidade, a ordem, a segurança, o progresso, pragmatismo utilitário.


2 - DIREITO ALTERNATIVO E USO ALTERNATIVO DO DIREITO


Clemerson Merlin Clève sublinha que "...o positivismo pode ser por vários países legalista, psicologista ou sociologista. Nos países que adotam o América Latina, no sistema jurídico romano-germanista, como o Brasil (América Latina etc. É um movimento e Países da Europa Continental), o positivismo mais difundido é o surge de posições legalista. Aliás, é o positivismo formalista por excelência" a redefinição do Segundo Clève, foi Kelsen o sistematizador máximo dessa relações com a corrente através da Teoria Pura do Direito. A preocupação de Kelsen pelos estudiosos era criar uma ciência que tinha por objeto um Direito puro, reduzido Direito, teoria crítica à pura expressão normativa. Para Kelsen, toda consideração acerca direito insurgente, de questões exteriores às fronteiras perfeitamente delimitadas pelas Entrementes, normas jurídicas positivadas devem ser ignoradas pelo jurista, sob UsoA/ternativo pena de avançar em domínios estrangeiros do saber jurídico, considerados em sentido prejudicando ou pondo a perder a própria autonomia da ciência do Direito.


O positivismo é a ordem que traduz segurança, estabilidade nas Diz-se das coisas que relações sociais. Logo, por esse movimento, ao jurista é vedado verificar a razoabilidade da norma estatal, já que aos filósofos cabe aos Juízes esse papel. Ao jurista cabe aplicar a regra, ainda que inadequada, juiz sul-africano, ultrapassada ou arbitrária.


O desenvolvimento do capitalismo veio para recrudescer ainda responderia de forma mais o positivismo. Essa ideologia positivista manifestada através de dever-se-ia julgar contra um forte formalismo normativista é fruto de uma sociedade burguesa. ética ou moral, já que Se, por um lado, os positivistas defendem o sistema da coerção aplicada à ideologia, por outro, os jusnaturalistas focalizam as pleito do negro sul- premissas da liberdade humana que a ideologia inevitavelmente que o sistema que Se, entretanto, não pode o jusnaturalismo ser tomado como naquele sentido. padrão de referibilidade do direito e da juridicidade, ele pode, sim, ser contra lege em tomado como uma importante bandeira de luta legitimadora de que a ideologia demandas sociais. Afinal, as conquistas jurídicas sempre foram como uma decisão alcançadas em face da concretização de uma idéia de direito que reivindicava um lugar no espaço normativo do Direito positivo.


Ampliando a seara de análise, insta perquirir: será que é possível contra o sistema, julgar contra o sistema sem ser arbitrário ou autoritário? É claro que, determinadas normas para alguns juristas, -o julgamento segundo a lei (secundum lege) é ao particular existia apenas uma das possibilidades que o juiz tem de manifestar o ordenamentos provimento jurisdicional.


No particular, importa acrescentar que o sistema previsível é eram seus profetas. necessário no afã de se garantirem os direitos individuais e coletivos daquela época. dos cidadãos. Entrementes, para os chamados alternativos, embailustração, é de boa sando-se nos princípios de direito natural, tal fato não implica que os desenvolvimento do Direito magistrados devam permanecer inertes normativamente, ou seja, político-ideológicas: sem a possibilidade de criarem direitos, pois para eles, o próprio sistema normativo permite julgamentos contra a lei ao amparo de liberal-contratualismo e do diversos fatores, como a utilização de princípios gerais do Direito, sociais e econômicas princípios que têm o afã de proteger o socialmente mais fraco.
Afirmam que a estrutura normativista do moderno Direito jurídicas materiais que positivo estatal é ineficaz, pois não atende mais o universo complexo deduzido da própria e dinâmico das atuais sociedades de massas, que passam por devedor que teve o profundas contradições sociais e por instabilidades que refletem positivo; entrementes, crises de legitimidade e crises na produção e aplicação da justiça.


Vasconcelos Coelh0 3 Algo precisa ser feito para diminuir, ou até acabar, consoante reta razão que indica a corrente mais radical, as diferenças sociais, em todos os campos segundo esteja ou do conhecimento humano, e também no campo do Direito, já que o ordenada ou proibida Direito estatal não consegue tratar da realidade toda.


pelo mesmo autor, Em virtude disso vem surgindo o movimento do uso alternativo Henrique Luna do direito e do direito alternativo que, como foi visto, recebe várias sublinha: "É o outras terminologias.


2.1 - USO ALTERNATIVO DO DIREITO


A origem histórica do tema remonta ao início da década de 60, na Itália.


A expressão, que foi criada pelos europeus, é ambígua e polêmica, mas foi utilizada pelos fundadores da escola do uso alternativo do Direito, nos idos 60. Logo, "não é manifestação individual de juízes, nem tampouco fenômeno restrito à magistratura. Trata-se de um inusitado movimento social". 7


Por outro lado, certo jurista chamado Antonio Carlos Wolkmer assevera que8 "o movimento do Uso Alternativo do Direito faz-se representar desde a década de 60, por inúmeros magistrados integrantes da Magistratura Democrática, corrente dissidente no interior da Asoziazione Nazionale Magistrati. Além de editar duas importantes revistas (Magistratura Democrática e Quale Giustizia), aglutina o interesse de alguns dos mais importantes juristas críticos e antidogmáticos da Itália".


A escola européia tem sua origem na crise sócio-econômica que varreu o capitalismo nas nações industrializadas (principalmente Itália e Espanha) em fins dos anos 60.


A versão européia, como chamam alguns, pretende reivindicar o juiz como protagonista da justiça. O uso alternativo do Direito se ocupa muito mais com a formação do jurista, submetendo a uma forte crítica os conteúdos e a forma como a universidade organiza o ensino do Direito.


O uso alternativo do Direito estaria representado na utilização teórica e prática das formulações jurídicas produzidas pelos próprios intelectuais orgânicos das classes dominantes e pelos intelectuais tradicionais, bem como das lacunas e imprecisões legislativas, e dos princípios gerais do Direito fixados a nível constitucional, para desenvolver uma argumentação sofisticada e competente, com o fim de, por dentro do próprio sistema jurídico-burguês, consolidar direitos e defender os interesses das classes subalternas ou dominadas, inclusive nos tribunais, o que conduziria, também, ao entendimento de que a proposta, em resumo, seria a de uma interpretação alternativa do direito burguês na defesa dos interesses das classes populares.


O uso alternativo do Direito, portanto, surge no solo europeu, tendo por base as especificidades das lutas sociais e da organização política daquela sociedade. Tem como objetivo ampliar os espaços libertários do Direito praticado na sociedade sem descartar o Direito positivo oficial.


Nicolàs M. Lópes Calera9 frisa que "o uso alternativo do Direito serve ao processo de emancipação da classe trabalhadora na luta contra a classe burguesa e capitalista". Não se trata de fazer revolução via Direito, mas de reconduzir as interpretações jurídicas progressistas ao desenvolvimento das contradições sociais, buscando restituir aos trabalhadores a capacidade criadora da história (grifamos).


Por outro lado, Amílton Bueno de Carvalho, no mesmo texto, frisa que "o jurista alternativo deve utilizar as incoerências, lacunas e contradições do Direito em favor da classe trabalhadora".


Carlos Artur Paulon 10 acrescenta que o uso alternativo do direito é mais um caminho na luta da libertação dos oprimidos. Tem compromisso com a busca do mais justo, em denunciar injustiças, e ter atitude política frente ao Estado e à sociedade. Objetiva interpretações progressistas, quando não for possível criar e estratificar conquistas das classes dominadas.


Nevílton Batista Guedesll sublinha que, como o sistema legal é contraditório e deixa buracos, deve-se utilizar essas contradições no interesse popular.


Pois bem. O uso alternativo do Direito na Europa tem o escopo de emancipar a classe trabalhadora. O jurista utiliza esse instrumento através das incoerências, contradições e lacunas do ordenamento jurídico, em prol da classe trabalhadora.


Modesto Saavedra Lópes 12, em estudo sobre o assunto, não considera o uso alternativo do Direito como sendo "a criação do direito à margem das fontes previstas no ordenamento jurídico". Alude, ademais, que apelar para a boa vontade do juiz também não é uso alternativo do direito.


Usar alternativamente o direito é adaptar o direito às exigências da sociedade contemporânea, fazendo uso, para tanto, das mais variadas técnicas ou métodos de interpretação. Cabendo ao jurista ampliar, a partir da prática jurídica cotidiana, os espaços democráticos do direito dominante, facilitando a emergência de um direito libertário e protetor da dignidade do homem.


Entrementes, mesmo na Europa, onde o movimento é patente, não é possível ultrapassar o sistema em sua legalidade. Noutro falar, o uso alternativo do direito encontra limites na própria norma jurídica.


O uso alternativo é a atuação dentro do sistema positivado. Aqui se destacam, como atores principais, os juristas (juiz, promotor, advogado). Consiste em utilizar contradições, lacunas e ambigüidades do sistema em favor dos pobres. A atuação é no instituído: buscar na legislação, via interpretação qualificada, abertura de espaços que possibilitem avanço das lutas populares, revendo conceitos estabelecidos, através da crítica constante. Enfim, é olhar diferentemente os textos.


O jurista alternativo, chamado de orgânico, diferentemente dos tradicionais, procura ampliar o sentido do texto, como a interpretação dada ao art. 226, § 30, da Constituição Federal, que frisa: "A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 30 Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento". Para estes juristas, deve-se reconhecer a relação concubinária como família, ao ponto de ensejar prestação alimentar e fixar regime de bens entre concubinos. Já os tradicionais asseveram que a norma alcança apenas benefícios previdenciários.


Amílton Bueno de Carvalh0 13 pondera que, na América Latina, a realidade é outra. Em certos casos, "há que se romper os limites da legalidade". Aqui tudo é tão cruel e agressivamente contraditório que, na luta travada no jurídico, não se permite aceitação de tais limites. O direito que lá é tido como alternativo ante as conquistas da classe trabalhadora, já erigidas à condição de lei, aqui assume o papel de uso do próprio direito na busca das mínimas condições de vida com dignidade ao povo. E nesta busca, se a legalidade é entrave, deve ser superada com utilização de princípios gerais do direito do pobre, os quais estão acima do direito positivado.


2.2 - DIREITO ALTERNATIVO


Luiz Fernando Coelh0 14 magistra: "Ao juiz, especialmente, não cabe aplicar a lei, mas fazer justiça".


Tarso Genr0 15 , citando Radbruch, frisa: "quando as leis negam, conscientemente, a vontade de ser justo, falta às leis qualquer justificativa, e os juristas devem negar-lhes o valor de normas jurídicas".


Pontes de Miranda 16 ensina: "O princípio de que o juiz está sujeito à lei é, ainda onde o meteram nas Constituições, algo de guia de viajantes de itinerário, que muito serve, mas nem sempre basta... ainda quando o juiz decide contra lege scriptam, não viola o direito, se a sua decisão corresponde ao que se reputa direito... Por isso, o juiz deve afastar-se do texto legal quando, deixando de aplicá-lo, serve ao direito do seu momento porque, com tal procedimento, atende aos dois ideais aparentemente inconciliáveis: o da fixidez e o de mutação. Afastamento consciente, motivado; ou, como acontece com os velhos textos esquecidos, inconsciente"
Amílton Bueno de Carvalh0 17 acrescenta que. o juiz é livre para julgar, e tal liberdade ultrapassa os limites da legalidade. Diz, ademais, que o antigo Estatuto da OAB, Lei no 4.214/73, recentemente revogado, permitia expressamente, no art. 103, inciso VII, que se advogasse e decidisse contra lege, pois lá estava expresso que era infração disciplinar "advogar contra literal disposição de lei", ressalvado o "direito de fazê-lo com fundamento... na injustiça da lei ou em pronunciamento judicial anterior". Frisa que, se é possível advogar contra lei injusta, é óbvio que se pode julgar no mesmo sentido.


Acrescenta o citado autor que, entre nós, o Direito Alternativo alcança: a) uso alternativo do direito; e b) o direito alternativo em sentido restrito.


"O direito alternativo não é, pois, o não-direito, muito menos um direito inventado ou simplesmente intuído na tradição do bom juiz Magnaud "18 . "Ele é a melhor possibilidade de um sistema jurídico, dada pelos conflitos sociais e individuais que o geraram, pela sua história e pela cultura da sociedade em que ele emerge. Não é o arbítrio do indivíduo-juiz, nem sua simples vontade política perante a crise de um sistema; mas é um ato de construção e desenvolvimento de valores que já estão postos pela história, de afirmação da liberdade humana, do direito à vida, da luta pela repartição do produto social, pela redução da desigualdade e pela defesa do futuro do homem, preservando-lhe o ambiente e a natureza" .


Acrescenta o mesmo autor, mais adiante, que "a experiência jurídica dos povos demonstra que quanto mais apegado ao normativismo mecanicista e ao legalismo "puro", mais servil é o jurista ou o juiz perante os poderosos e mais sobranceiro e enérgico ele é perante os pobres e socialmente fracos. Seu amor à Constituição e à lei é, na verdade, o amor e o respeito aos privilégios que o sistema pode garantir".


O direito alternativo, que é a tendência jurídica latino-americana, se desenvolve no âmbito da crise do capitalismo periférico ou de dependência e nas condições criadas pelo autoritarismo repressor dos regimes militares, de fins dos anos 60 e início da década de 70, que desencadearam torturas, desaparecimentos, mortes, exílio, miséria, marginalidade, fome e carências vitais (saúde, educação e habitação).


Enquanto o uso alternativo do Direito parte da prática judicial, o Direito alternativo parte das lutas das comunidades por seus direitos e a assistência legal que lhes possa prestar para tais fins. Não se pensa na reivindicação do juiz como verdadeiro protagonista da reivindicadora da mesma os usuários a defesa de seus e protegidos que se preocupa direito alternativo se que os segmentos so:ução de suas realmente mais
latino-americana, o conhecimento porquê de a versão o desenvolvimento Legais Alternativos. Latino-americano de Bogotá, Colômbia), emergentes e à defesa.


"...somente estão locupletam, fazendo direito alternativo é só em acontecer em com o não-acesso marginalização social; 2) não previstas nas hipoteticamente técnico-dogmático operadores jurídicos em material sobre a formal exigida pela sócio-profissional dos trabalho saturado, econômica, seja .com subsequente indústrias culturais); Poder Judiciário, desprestigiado, questiona profissionais, marcadas incerteza reinante no resultado da causa da função social da pelos homens intérpretes do Direito Judiciário é a sede dos individualizado, da Justiça.


Estado; que, fundasuas instabilidades jurídico, os grupos e mais legitimidade do direito estatal, como direito; que é se tais direitos são das associações nesse sentido. Tais de fundamentação sua ênfase não no produzindo um de tais grupos, chamam de uso Vejam que a interesse das classes é positivista: não tem o de determinada invade o jurídico, emancipação da serviço desta luta;não se funda basicamente no Direito positivado, mas avança pelos caminhos abertos pela luta dos pobres, alargando, assim, o foco do Direito; abandona qualquer atitude dogmática, atuando sempre na busca do valor maior justiça, comprometida com os fracos.


Na lição de Amílton Bueno de Carvalho em citando Herkenhoff, 21 " .só é Direito justo o direito das maiorias, aquele que beneficia quem produz, o Direito dos que hoje são oprimidos"


O Direito Alternativo busca o romper a velha estrutura e aponta para atividade comprometida do jurista com a maioria da população. A alternatividade assume a não-neutralidade e comprometimento, porquanto é parcial e comprometido com os pobres.


Escreve, ademais, Amílton Bueno de Carvalho22 : "Pode-se designar o Direito Alternativo, em sentido amplo, como atuação jurídica comprometida com a busca de vida com dignidade para todos, ambicionando emancipação popular com abertura de espaços democráticos, tornando-se instrumento de defesa/libertação contra a dominação imposta".


O direito alternativo é a participação da comunidade na busca de solução a seus problemas, mesmo em conflito com o direito estatal. Os atores principais são os movimentos sociais, sindicatos, partidos políticos vanguardeiros, setores progressistas das igrejas, comunidades de base, etc. Exemplo patente de direito alternativo que se constrói ao arrepio do direito oficial é aquele emergente da luta dos camponeses sem-terra: o de ocupação.


Assim, tanto o uso alternativo do direito, como o direito alternativo propriamente dito, que alguns chamam de direito em sentido restrito, estão presente na América Latina.


Na Europa, não se admite ultrapassar o limite da legalidade. Entrementes, aqui, a realidade é outra, porquanto mais de 100 milhões de pessoas têm séria deficiência alimentar, mais de 1 6 milhões de pessoas não têm moradia e mais de 30 milhões de crianças estão nas ruas. Nesse aspecto, a legalidade deve ser rompida em nome dos princípios humanitários superiores, conquistas da humanidade que o sistema gerador da pobreza repele, conforme assevera Amílton Bueno de Carvalh0 23 . Para esse autor, n a hipocrisia legal-formalista não tem respaldo ético para impedir o resgate da dignidade humana". Aqui e agora está o jurista, juiz autorizado a ultrapassar a legalidade em nome do valor maior JUSTIÇA.


3 - O USO ALTERNATIVO DO DIREITO DO TRABALHO


Se nos outros ramos do direito privado, em face da forma legislativa estatal que vige, é mais complexo o uso alternativo do direito ou até mesmo o direito alternativo propriamente dito, e se naquele que se chama de direito público a ordenação jurídica é na defesa dos interesses do Estado, no direito do trabalho a quaestio juris pode ser tratada de maneira bem diferente.


No direito laboral, o princípio da proteção do hipossuficiente por si só já é uma forma de aplicação do uso alternativo do direito. Este princípio, nas palavras de Américo Plá Rodrigues24, "se refere ao critério fundamental que orienta o Direito do Trabalho, pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de igualdade, responde ao objetivo de estabelecer um amparo preferencial a uma das partes: o trabalhador".


O princípio da proteção se expressa de três formas: a regra in dúbio pro mísero. Critério que o juiz ou o intérprete deve utilizar para escolher entre vários sentidos possíveis de uma norma, aquele que seja mais favorável ao trabalhador; a regra da norma mais favorável determina que, no caso de haver mais de uma norma aplicável, devese optar por aquela que seja mais benigna, ainda que não corresponda aos critérios clássicos de hierarquia das normas; a regra da condição mais benéfica: critério pelo qual a aplicação de uma nova norma trabalhista nunca deve servir para diminuir as condições mais favoráveis em que se encontrava um trabalhador.
O fato de se interpretar uma norma de direito laboral favorecendo sempre o empregado nada mais é que a consubstanciação do uso alternativo do direito.


Por outro lado, em havendo duas normas de diferentes hierarquias disciplinando determinada matéria, uma constitucional e outra infraconstitucional ou até de natureza autônoma, como um acordo ou uma convenção coletiva, permitir que se aplique a norma de hierarquia inferior àquela de hierarquia superior, no afã de beneficiar o obreiro, é outra forma de consagração do uso alternativo do direito laboral.


A despeito de uma nova regra jurídica de natureza heterônoma estatal estabelecedora de condições que, no caso, seriam menos benéficas ao trabalhador, essa condição prevista nessa norma não seria aplicável, já que outra norma, embora de natureza autônoma, consagrava uma outra condição que, no caso, é mais benéfica ao trabalhador, em virtude da regra da condição mais benéfica. Outra forma manifesta de aplicação do uso alternativo do direito laboral.


Nesse contexto, no campo do direito laborista, até mesmo aqueles magistrados autoproclamados conservadores não raro aplicam os princípios analisados ut supra, e recorrem aos mesmos como fonte justiça, mas sim na própria comunidade como justiça. Aliás, pretende-se que seja a comunidade diretos do Direito, que adotem mecanismos para próprios interesses, estejam ou não reconhecidos adequadamente pelo Direito.


Diferentemente do uso alternativo do Direito, imensamente com a formação do jurista, o preocupa com a educação da comunidade, para populares possam participar diretamente na necessidades e na organização de uma sociedade democrática e participativa.


Noutro falar, o Direito alternativo, da escola passa do monopólio do juiz ou do jurista para o domínio, e a prática populares. Compreende-se, assim, o latino-americana vir favorecendo o surgimento e cada vez mais crescente, dos chamados Serviços (que têm, hoje, sua sede maior no Instituto Servicios Legales Alternativos — ILSA, em intimamente ligados aos movimentos sociais dos interesses das comunidades populares.


Frisa Edmundo Lima de Arruda Jr. 19 que contentes com o direito vigente os que dele se o a imagem de seu modus vivendi". Para ele, o mister em virtude de uma série de fatores que nosso país, tais como: 1) "marginalização jurídica às instituições de Direito decorrente da constatação de novas formas de conflitos sociais estruturas das instituições jurídicas, escapando-lhes nas leis; 3) crise no ensino jurídico, tanto no nível como no teórico-epistêmico; 4) crise dos razão da sobreposição continuada da racionalidade esperada autonomia mínima da racionalidade matriz liberal legal; 5) crise de identidade diplomados em Direito, em face de um mercado de segmentado, seja pelo processo de monopolização pelo processo institucional pós-reforma de 68 dominância do ensino superior particular e das 6) crise do próprio ideal de Justiça; 7) crise do congestionado, burocratizado, corrompido, do; 8) crise de legitimidade das corporações por um... corporativismo tradicional...; 9) mundo jurídico, resultante da imprevisibilidade do com questionamento do êxito dos advogados e Justiça; 10) desgaste radical da classe composta públicos, etc".


Ao juiz alternativo, e lato sensu aos alternativo, cabe a negação da ideia de que o interesses gerais e o juiz o depositário do bem comum, sendo os profissionais do Direito meros auxiliares.


Na periferia, pode-se utilizar mais apropriadamente direito alternativo que uso alternativo do direito, tanto o direito paralelo, direito insurgente, direito dos trabalhadores já alçados à legalidade.


Analisando o assunto, Jesús Antonio Munõz que, comparando o uso alternativo do direito o direito alternativo latino periférico, extrai-se primeiro coloca o juiz como protagonista da segundo o protagonista é a própria comunidade.


A formulação a respeito do direito alternativo básica de que nem todo direito dimana do mentalmente na América Latina, por conta de institucionais e de seu impermeável sistema setores populares produzem um direito, com inclusive, que é praticado em seu meio, à margem mas que nem por isso deixa de ser considerado aplicado pela comunidade sem se importar reconhecidos pelo Estado como direitos. A experiência de moradores e do movimento sindical é rica formuladores buscam dotar tal direito alternativo teórica para justificar a prática que centra Judiciário ou na Universidade, mas na comunidade, saber que possa orientar a prática libertadora sentido de sua emancipação.


Logo, não há contradição entre o que alguns alternativo do direito e outros de direito alternativo. diferença está no usar o direito estatal no populares e valorizar o direito alternativo que mesmas, à margem do direito estatal.
O direito alternativo rompe com o saber Direito como neutro, mas sim expressão da vontade classe. E como conseqüência da não-neutralidade, buscando ser mais um instrumento na luta para classe trabalhadora, tendo o jurista e o Direito a de direito, apesar de serem meros elementos integradores de direito, não fontes.


Utiliza alternativamente o direito do trabalho o magistrado que não considera a demissão por justa causa, mesmo ficando provado que o empregado praticou furto, argumentando que tal furto nada representa diante do roubo que o empregador vem praticando ao longo dos anos ao apropriar-se da mais-valia.


Wilson Ramos filho, 25 ao analisar a questão, considera ser uso alternativo do direito ou direito alternativo na Justiça do Trabalho, os seguintes aspectos, quando propugna "É comum encontrarem-se julgados, mesmo os oriundos das carrancudas e vetustas Cortes superiores, como "o risco da atividade econômica é do empregador, e não do empregado; direitos trabalhistas são assegurados mesmo diante de eventuais dificuldades econômicas do empregador; asseguram-se aos trabalhadores o recebimento de adicional de transferência mesmo em caso de extinção de estabelecimento em determinada cidade; pagamento das horas não trabalhadas em função de fatores climáticos, etc."


Data máxima venia, não concordamos com o citado autor. É que a própria CLT, no art. 2 0, assevera de forma expressa que "Considerase empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de servico".


Por outro lado, o art. 469, § 2 0 , testifica: "É lícita a transferência quando ocorrer extinção do estabelecimento em que trabalhar o empregado".


Noutro falar, o uso alternativo do direito é consubstanciado quando o magistrado utiliza as lacunas, omissões e contradições da lei. Ou, ao fazer o processo interpretativo, procura favorecer o obreiro hipossuficiente. In casu, existe norma expressa. Logo, não há lacuna nem interpretação tendenciosa.


Por outro turno, o direito alternativo em sentido restrito, analisado em determinado ângulo, é consubstanciado pelo desprezo da letra da lei para beneficiar a classe mais desfavorecida. O que também, no caso, não ocorre.


3.1 - A ALTERNATIVIDADE E AS RELAÇÕES COLETIVAS DO TRABALHO


No direito coletivo do trabalho o uso alternativo do direito também encontra-se manifestado através dos acordos e convenções coletivas e nas sentenças normativas do trabalho.


Convenção coletiva de trabalho, conforme giza o art. 61 1 da CLT, e' "...o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais do trabalho".


O acordo coletivo, por seu lado, é o convênio de caráter normativo celebrado pelo sindicato da categoria profissional com uma ou mais empresas estipulando condições de trabalho às relações individuais aplicáveis no âmbito da ou das empresas que participaram do acordo.


Sentença normativa é a decisão proferida pelos tribunais em processos de dissídio coletivo.


Através desses institutos chamados de contratos coletivos, se asseguram direitos aos trabalhadores além dos limites legais positivados, prevendo, inclusive, formas de superação de impasses e de solução de conflitos, fora do aparelho judiciário estatal.


Pelo disciplinamento legal existente, a negociação coletiva tem lugar uma vez por ano no período chamado de data-base, assegurandose no instrumento que lhe resume o conteúdo (acordo, convenção ou, em caso da não-celebração desses contratos, pela sentença normativa proferida no dissídio coletivo) direitos individuais e coletivos maiores que os já fixados em lei.


3.2 - O USO ALTERNATIVO DO DIREITO ALTERNATIVO E A LEI N O 8.009/90


Diz o art. 1 0 da Lei no 8.009, de 29 de março de 1990: "O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta Lei"


O parágrafo único frisa: "A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados".


O art. 20 giza, por seu lado, que "Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos".


O art. 30 sublinha que "A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza


Pode ser penhorado em caso de crédito dos próprios trabalhadores da residência, em virtude de crédito do titular do financiamento destinado à construção do imóvel; pelo credor de pensão alimentícia; para cobrança de imposto predial ou territorial e hipoteca sobre o imóvel.


Constata-se, portanto, que a referida lei ampliou as hipóteses previstas no art. 649 do CPC, que enumera os bens absolutamente impenhoráveis.


É sabido que ao longo da história a perseguição do inadimplente por dívida tem sido abrandada.


Nos tempos imemoriais, a dívida era de natureza pessoal, ou seja, atingia a própria pessoa do devedor. Hoje, entrementes, é de natureza impessoal, só atingindo o seu patrimônio, embora nem todo.


O fato de a dívida não atingir mais a pessoa do devedor, mas apenas o seu patrimônio, é decorrência do respeito à dignidade do ser humano.


A própria Lex Fundamentalis, através do artigo 50 , inciso XI, giza ser a casa "asilo inviolável", nela só se podendo ingressar por determinação legal.


A Lex Legum foi complementada através da lei em referência na qual estabelece ser impenhorável até mesmo os móveis.


Noutro falar, a proteção ao pobre, ao menos favorecido, princípio de direito alternativo, veio por ser consagrado nesta lei.


Ampliando o quadro de considerações, de notar que, mesmo antes da promulgação da lei, a jurisprudência gaúcha, no intuito de proteger a vida com dignidade, tomava posições que iam de encontro ao direito legislado, ou seja, não admitia a penhora sobre bens de uso doméstico. Acórdãos como os publicados in Julgados do Alçada 62/ 1 70; acórdão da 2 a Câmara Civil do Alçada de 16.06.88 (Julgados 68/176). Julgados 69/175, 65/1 79, 71/120, citados por Amílton Bueno de Carvalh026, corroboram a nossa afirmativa.


Digno de menção é o fato de que, no Judiciário comum, não há dúvida de que a citada lei protege o devedor (classe média, parte mais fraca), contra os seus credores.


A questão que ainda é polêmica é saber quais são os bens móveis guarnecedores da residência do devedor que são considerados adornos suntuosos, passíveis, portanto, de penhora.


Para os legalistas, televisão preto e branco ou colorida, freezer, aparelho de som, aparelho de ar condicionado, video-cassete, linha telefônica, etc., são adornos suntuosos, passíveis de penhora, portanto.


Por outra banda, os alternativos advogam ser esses bens impenhoráveis, pois não detentores da suntuosidade proclamada na lei, já que necessários à sobrevivência digna da celula-mater da sociedade, pois viver com dignidade, diferentemente da idade média, implica "moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social".


No contexto, os alternativos defendem ser de regra a impenhorabilidade, devendo o credor comprovar que o bem é penhorável por razões determinadas, como a existência de vários aparelhos de som e uma só casa, etc.
Convém trazer à baila que, no Judiciário Trabalhista, a questão se inverte.


É que o mais fraco, o mais pobre naquela Justiça obreira, é o credor, e não o devedor, como sói ocorrer no Judiciário comum.


Enquanto os alternativos pretendem ampliar a impenhorabilidade dos bens no Judiciário comum, pois o afã é de proteger o devedor, parte mais fraca, no Judiciário trabalhista os alternativos pretendem restringir a impenhorabilidade, visto que o credor, obreiro, é a parte mais fraca.


A Lei no 8.009/90 tem o escopo maior de proteger a vida com dignidade; entrementes, a própria Carta Magna, no art. 1 0 , inciso IV, estabelece como fundamento da República "os valores sociais do trabalho", fixando no art. 7 0 os direitos do trabalhador.


In casu, duas dignidades se chocam, e nesse choque o obreiro merece proteção. Logo, consoante o alternativo Amílton Bueno de Carvalh027 "... para se fazer justiça, no caso concreto, não se deve, no Judiciário trabalhista, aplicar a Lei no 8.009 (justiça não neutra, mas comprometida com os fracos).


À luz dos trechos expendidos ut supra em apertada síntese, convém assinalar que: 1) o Uso Alternativo do Direito e o Direito Alternativo são dois movimentos distintos. O primeiro teve nascedouro no início da década de 60 na Europa, principalmente na Itália, França e Espanha que se preocupa com a formação do jurista e utiliza as lacunas, omissões, ambigüidades e contradições do Direito em prol dos mais pobres. O segundo, que remonta à década também de 60, surgiu nos países latino-americanos como o Brasil, a Argentina, o México, o Chile e a Colômbia, é aquele produzido pelas massas populares à margem do Direito estatal.


( * ) O autor é Procurador do Trabalho do Ministério Público da União do Direito, in (ex-juiz de carreira do TRT da 6a Região) e professor universitário em Pernambuco.

 

Transformando

Sonhos em Realidade

Na primeira parte da minha autobiografia, conto minha trajetória, desde a infância pobre por diversos lugares do Brasil, até a fundação do grupo Ser Educacional e sua entrada na Bolsa de Valores, o maior IPO da educação brasileira. Diversos sonhos que foram transformados em realidade.

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