O ministério público no público direito estrangeiro (França)

Por: Janguiê Diniz
08 de Jun de 2005

Nos países da Europa Ocidental, onde se adota o modelo romano-germânico, o Ministério Público é tido como um dos segmentos da magistratura. Para diferenciar o parquet dos magistrados, adotou-se a denominação magistrature débout, ou seja, os magistrados de pé, tendo em vista que a princípio ocupavam espaço próprio nas seções judiciais e sempre ao se pronunciarem ficavam levantados. Para os membros do Judiciário, utiliza-se a expressão magistratureassise ou siége. Não só por isso advém a necessidade de diferenciação. Aspectos outros são imperiosos, como o fato de juízes e membros do Ministério Público se substituírem mutuamente, em decorrência do princípio da fungibilidade, adotado na França e na Itália.


Importante observar que, no modelo de Estado francês, a organização centralizada e unitária não só do Ministério Público como de toda a instituição judiciária, que por sua Vez se encontra vinculada ao Poder Executivo, é subordinada diretamente ao Ministro da Justiça, Grand Juge-Ministre de Ia Justice. Isto se deve ao fato de a atuação do parquet francês estar diretamente ligada à condução da política criminal, porquanto prepondera a atividade de cunho repressivo. Outras importantes consequências advêm do vínculo com o Poder Executivo, porquanto os membros do Ministério Público francês são seus funcionários, não gozam dos benefícios da inamovibilidade, podendo, inclusive, substituírem-se mutuamente nas causas em que atuem, em decorrência da aplicação do princípio da unidade e indivisibilidade da instituição.


No modelo de jurisdição penal francesa, existem três esferas de jurisdição. O critério utilizado para a fixação da competência encontra-se atendido pela gravidade da infração praticada. Desta forma, o Tribunal d'lnstance, para questões de menor potencial ofensivo, as contravenções penais; o Tribunal Correctionnel, para as causa de gravidade intermediária, relativas aos delitos; e o Cour d'Assises, ou Tribunal do Júri, para causas complexas com maior potencial ofensivo, homicídios e tráfico de entorpecentes, por exemplo. Curiosamente, a acusação deste último não é feita pelo membro do Ministério Público, e sim, pelo procúrador-geral junto à Corte de Apelação ou o advogado-geral, que não participa do julgamento. Para cada juízo penal deve necessariamente funcionar um membro do parquet. Também funcionam junto aos tribunais administrativos como fiscais da lei — partie jointe. Para a propositura da ação penal, dois princípios assentam: legalidade e oportunidade. Diversamente do que ocorre na jurisdição pátria, o modelo francês admite a disponibilidade da ação penal, podendo, em certos casos, demandar-se o acusado por um tipo mais brando, desclassificando o delito, ou mesmo esperar por um momento posterior para o exercício da ação penal, quando se mostre oportuno, Arquiva-se o inquérito e depois o reabre convenientemente, salvo o prazo prescricional. Assim, pode-se afirmar que o parquetfrancês exerce com discricionariedade a atividade repressiva, sendo sua atuaçäo eminentemente de política criminal.


E nesta matéria que melhor visualizasse a hierarquização e subordinação do Ministério Público francês em relação ao Poder Executivo, principalmente quanto à figura do Ministro da Justiça, que pode, em certos casos, impor sanções disciplinares aos membros da instituição após manifestação do Conselho Superior da Magistratura. Mais do que legitimados para a propositura da ação penal, os membros do parquet francês são condutores da política criminal, por isso, a subordinação ao Ministro da Justiça, que responde politicamente frente ao Parlamento. Diverso do modelo adotado no Brasil, cabe à magistrature débout a fiscalização e a direção da polícia judiciária, atuando sobre as prisões levadas a efeito por oficiais e agentes de polícia. Nas investigações criminais o inquérito é conduzido pelo parquet, que diretamente instrui o agente de polícia sobre o procedimento a ser praticado.


Quanto ao papel desempenhado junto à jurisdição contenciosa privada menor seu alcance e bem mais restrita a atuação, diante da importância que lhes é concedida na legislação nacional, O rol de possibilidades de intervenção não é exaustivo, pois pode o Ministério Público atuar em qualquer causa desde que se refira à defesa da ordem pública, sendo-lhe facultado o direito de recorrer.


Outro ponto diz respeito aos inúmeros textos da legislação pátria em que encontra o instituto legitimidade ordinária para propor ações na defesa de interesses difusos e coletivos, abrindo parênteses para a crescente relevância política da instituição, sem similar no direito alienígena.


Avanço considerável a legislação francesa galgou ao editar a. Lei no 70-631/70, que prevê a presença do Ministério Público em todas as causas relativas à defesa da ordem pública, independentemente da matéria em questão ou da jurisdição competente. Observações se inferem na estruturação do Estado francês, que é unitário e centralizado. Outra atenção elucida-se em relação ao fato de que, no contencioso francês, existem duas jurisdições, uma administrativa e outra judicial.


Diferenças são verificadas quanto à atuação cogente dos membros da instituição no direito pátrio em relação à ação penal e à disponibilidade e ao perfil discricionário concedido à matétia pelo legislador francês. Outras tantas divergências ocorrem quando se refere à presença na área cível, devido ao tratamento legislativo e às constantes ingerências do parquet em âmbito privado no direito pátrio. Ponto de assimetria verificou-se, ainda, na matéria referente à legitimação para a propositura de ações na defesa de interesses difusos e coletivos, do patrimônio nacional e nas causas de ação civil pública previstas pela legislação nacional e ausente no instituto francês. Existem outras divergências substanciais que são perceptíveis em relação ao direito pátrio, pois não apresenta o parquet francês o mesmo papel político, independência funcional e administrativa e autonomia que a instituição vivencia no Brasil.


JOSÉ JANGUIÊ BEZERRA DINIZ é Procurador Regional do Ministério Público do Trabalho em Pernambuco; ex-Juiz togado do TRT da 6a Região; Mestre e Doutor em Direito - UFPE.

Transformando

Sonhos em Realidade

Na primeira parte da minha autobiografia, conto minha trajetória, desde a infância pobre por diversos lugares do Brasil, até a fundação do grupo Ser Educacional e sua entrada na Bolsa de Valores, o maior IPO da educação brasileira. Diversos sonhos que foram transformados em realidade.

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