Pagamento de dívidas trabalhistas com títulos da Dívida Pública

Por: Janguiê Diniz
02 de Mar de 1999

O que são títulos da dívida pública?


A história constitucional brasileira nos revela que ao Poder Legislativo sempre competiu autorizar o Poder Executivo a contrair empréstimos e legislar sobre a dívida pública, bem como estabelecer os meios para o seu pagamento. Assim ocorreu em quase todas as constituições anteriores.


A de 1988 frisa no art. 48, II, que: "Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: ...I — plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamento anual, operações de crédito, dívida pública e emissões de curso forçado" (salientamos).


Ademais, o art. 148 estipula: "A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios:


II — no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, b", ou seja, observando o princípio da anualidade.

Em decorrência dessa atribuição, foram editados vários institutos normativos.

*Todas as MPs citadas no artigo são reedições da atuai MP 1.763-63, de 11-2-1999. Autorizando o Poder Executivo a emitir títulos da dívida pública.

Podemos elencar, ilustrativamente, alguns desses institutos normativos: 1) Decreto n. 4.330, de 28 de janeiro de 1902; 2) Decreto n. 81.254/1910; 3) Decreto n. 8.033/1911; 4) Decreto n. 10.135/1913; 5) Decreto n. 10.282/1913; 6) Decreto n. 11.434/1915; 7) Decreto n. 14.011/1920; 8) Decreto n. 21.717/1932; 9) Decreto n. 4.011/1942 etc.

No período de 1902 a 1940, época da República Velha, foi emitido um grande número de títulos, chamados de Títu10s da Dívida Pública Fundada Federal, cujo objetivo era o financiamento das grandes obras públicas da época, tais como: construção das estradas de ferro Madeira —Marmoré e das que ligam, ou ligariam, São Luiz a Caxias, Passo Fundo ao Uruguai, Itaqui a São Borja, da mesma para "ocorrer ao pagamento da aquisição" da Estrada de Ferro Rio das Flores, da Estrada de Ferro União Valenciana, de Desengano e da Estrada de Ferro Central do Brasil, e todas "para, com outras, constituírem a rede de viação fluminense". Emitidos, ademais, para suportar os custos da construção das obras de saneamento e dragagem "dos rios que deságuam na Bahia do Rio de Janeiro", bem como para suportar os gastos com obras de responsabilidade do Ministério da Marinha ("conclusão das obras da Ilha das Cobras"), da Guerra ("reorganização do Exército Nacional") e da Viação e Obras Públicas ("obras contra as secas do Nordeste") etc.


Hoje, existem no mercado, além dos diversos títulos emitidos entre os anos de 1902 a 1940, os títulos atuais da Dívida Pública Federal, Estadual ou Municipal (cautelares ou escriturais) como as LTNs (Letras do Tesouro Nacional), LFT (Letras Financeiras do Tesouro), NTN (Notas do Tesouro Nacional) criadas pela MP 1.697-59, de 26 de outubro de 1998, e as TDAs (Títulos da Dívida Agrária).


Num sentido lato, também podemos incluir os precatórios orçamentados como títulos públicos.


Cumpre registrar que os decretos retromencionados autorizaram a emissão dos títulos ao portador, com prazo de resgate após um certo lapso temporal previsto no próprio decreto que o instituiu.


Ampliando o âmbito de considerações, oportuno sublinhar que essas apólices, títulos da Dívida Pública Federal, materializam um contrato de direito privado l chamado de empréstimo, ou mais especificamente chamado de mútuo, em que figura, de um lado, o Estado-Administração, como tomador ou devedor mutuário, e, de outro, os particulares mutuantes, como credores. Tal contrato não é forçado ou compulsório, mas voluntário, e o atributo da comutatividade está presente, gerando direitos e obrigações para ambos os contratantes. Desses contratos, representados por apólices da dívida pública, extraem-se as seguintes características: contrato de direito privado chamado de empréstimo (mútuo) em que não podem existir prerrogativas do Estado.

1. Como é sabido e consabido, a Administração Pública também celebra contrato de direito privado. A guisa de exemplo citamos um contrato de locação de um prédio e o próprio contrato de mútuo. A longo prazo, com obrigação, pelo Estado, de pagamento semestral de juros e de resgate a ser efetivado por amortização em frações anuais, condicionado o início da amortização ao término das obras a que o empréstimo se destinava.


Com efeito, de ser registrado, no específico, que o contrato, como visto, é de mútuo, pois consiste em empréstimo de coisa fungível, em que o "mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisas do mesmo gênero, qualidade e quantidade (art. 1.256, CC)".


Ademais, a apólice é um título ao portador da dívida pública interna, voluntária, fundada e perpétua.


E ao portador, haja vista não ser nominativa, porque o subscritor da apólice se obriga a uma prestação a quem se apresentar como seu detentor (o possuidor desta...).


E perpétua porque o empréstimo é contraído por período indefinido, e o investidor recebe em prazo determinado os juros, mas o principal fica a cargo do poder discricionário do Estado. Portanto a dívida permanente ou perpétua caracteriza-se pela estabilidade. Os investidores buscam receber os juros, estes, sim, devem ser pagos pontualmente. O investimento significa, de fato, uma fonte de rendimentos.


Da não-prescrição dos títulos emitidos entre os anos de 1902 a 1940
1) Aprimafacie, imprescindível ressaltar que os decretos instituidores dos referidos títulos da dívida pública que preconizavam que o início do prazo de resgate ocorreria a partir do término das obras não foram revogados. Por outro lado, não existem provas de que as obras foram concluídas, nem sequer iniciadas, logo o termo inicial de resgate dos títulos, em tese, não teria se iniciado.
2. In parecer inédito do ilustre advogado Aristides Junqueira Alvarenga, p. 3.
3. In parecer inédito de Antônio Eustáquio Teixeira, Júlio Paulo Mendes de Souza e Marcelo Linyee Tseng, p. 27-8.
2) Por outro lado, estamos que o Decreto-lei n. 263/67, que confere expressa autorização legislativa ao Poder Executivo para resgatar os títulos da dívida pública, afrontou normas constitucionais então vigentes, quais sejam: a) tratou de prescrição, matéria vedada em decreto-lei pela Constituição Federal da época, invadindo campo de Direito Civil. "Qualquer outra interpretação só pode advir daqueles que pretendem fazer exegese extensiva de normas que delegam ao Executivo poderes para legislar. Tal interpretação, além de jogar por terra tudo o que se conquistou com o pensamento liberal, dá ao Presidente da República da época poderes para extinguir, por via oblíqua, os direitos dos Autores e a obrigação da Ré de pagar os títulos"4
3) É inconstitucional, por outro lado, porquanto delegou ao Conselho Monetário Nacional o poder de regulamentação do decreto mencionado, vez que de meros "atos de execução" não se trata, ainda mais que não possuía a suficiente densidade normativa como se alegou. Em primeiro lugar há que ser enfatizado que o regulamento foi expedido pelo Banco Central e não pelo Conselho Monetário Nacional, como foi asseverado. Em segundo lugar, a respectiva Resolução 65 do Banco Central é datada de 5 de setembro de 1967 , mais de 180 dias dos 90 exigidos pelo art. 12 do Decreto-lei n. 263/67. Em terceiro lugar, o respectivo decreto não possuía a densidade normativa alegada, em virtude do próprio art. 12 do citado decreto, que exigia a regulamentação de forma expressa. Ademais, veja-se que o próprio Decreto-lei n. 263/67 só entrava em vigor na data de seu regulamento. Se não houve o regulamento, o mesmo não entrou em vigor. Noutro aludir, "estamos diante de uma alternativa: ou o Decreto-lei n. 263/67 não necessitava realmente de regulamento e seu artigo 12 sendo inútil o maculava de inconstitucionalidade... ou, realmente, o decreto pendia de regulamentação e ainda não entrou em vigor, porque estaria à mercê de regulamento"5 . (...) ambas as hipóteses colocam por terra os argumentos do inteligente procurador. Logo, ou o decreto-lei é inconstitucional por tratar de matéria proibida (prescrição), ou necessitava de regulamentação pelo Presidente da República nos moldes do art. 12, e não o foi, não passando a viger até a presente data, e não determinando, de conseguinte, dies a quo nenhum para resgate dos títulos.


Argumentos existem no sentido de que se inconstitucional fossem os referidos decretos, os órgãos legitimados já teriam ingressado com a competente ação direta de inconstitucionalidade. O argumento não prospera. E que pela ordenação constitucional vigente só se admite o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade de ato normativo que viole a Constituição vigente. No caso em apreciação, a violação foi da Constituição Federal de 1967, e só na sua vigência caberia o ajuizamento da ação. Entrementes, nada impede que incidentalmente, ou pelo controle indireto, os juízes, apreciando a questão em processos judiciais levados à sua apreciação, declarem os referidos institutos normativos inconstitucionais.


4) Não prospera, também, o argumento de que ocorreu a prescrição qüinqüenal, nos moldes do art. 177, § 10, VI, do Código Civil, cujo prazo termo final teria ocorrido em 2 de julho de 1974. Não prospera, visto que o contrato celebrado entre a Administração Federal e os particulares, detentores das apólices da dívida pública, foi de mútuo, e em mútuo não há falar em prescrição qüinqüenal. Por outro lado, os decretos-leis retromencionados são eivados de inconstitucionalidade, como foi asseverado, e assim não serviram para determinar início do dies a quo do prazo prescricional. Ademais, a declaração de inconstitucionalidade, seja pelo controle difuso, indireto ou incidental, seja pelo direto ou por meio de ação, gera efeito ex tunc.
5) Acerca do § 3Q da MP 1.238/95 não é ocioso lembrar que o art. 84, XXVI, da CF de 88 frisa competir privativamente ao Sr. Presidente da República o poder de editar e submeter ao Congresso Nacional medidas provisórias, com eficácia imediata, nos termos do art. 62 da Carta Magna, as quais, se não apreciadas e aprovadas no prazo de 30 dias, perdem a sua eficácia. Com efeito, "esta é a razão por que, com apoio nas relações jurídicas ajustadas entre os dois poderes (Executivo e Legislativo) e em ocorrendo esta hipótese, elas são reeditadas antes do vencimento do prazo regulamentar, visando resguardar-lhes a eficácia jurídica. De acordo ainda com essas relações jurídicas, em ocorrendo a reedição de medida provisória, duas coisas obrigatoriamente deverão ocorrer: a) revogação da medida provisória anterior, sob reedição, para evitar a duplicidade das normas; e b) alteração do número da medida.


No particular, urge asseverar que o texto da MP 1.238/95, enviado ao Congresso Nacional, foi aquele datado de 14 de dezembro de 1995, publicado e assinado no Diário Oficial de 15 de dezembro de 1995, conforme se verifica dos seguintes documentos: 1) a Mensagem n. 656, de 14 de dezembro de 1995; 2) a Mensagem n. 1.414 da mesma data devidamente chancelada pelo Presidente da República e endereçada aos membros do Congresso Nacional; 3) o extrato da tramitação da MP 1.238 no Congresso Nacional; 4) a Mensagem n. 26 de 1996 expedida ao Congresso Nacional com o texto da MP 1.275, de 12 de janeiro de 1996, que veio substituir a MP 1.238, de 14 de dezembro de 1995. Por fim, veja-se a Mensagem n. 1.414/95 do texto da MP 1.238, de 14 de dezembro de 1995, onde consta no art. 30 0 § 3 Q que "se pretende ver exarado as custas de uma republicação sem valor".


Noutro falar, a medida provisória enviada ao Congresso Nacional não foi o texto da republicação como vaticinado, mas o texto da MP 1.238/95, que, posteriormente, sob a denominação de "retificação", passou a ter um comando que retira do ordenamento o § 3 2 do art. 30, embora essa retificação não tenha nenhum valor, haja vista não ter sido assinada por ninguém que tenha poderes para fazê-lo.


Demais disso, a MP 1.238/95, de 14 de dezembro de 1995 somente foi substituída aos 12 de janeiro de 1996 pela MP 1.275 (DOU de 13-1-1996, p. 00550), eliminando o dispositivo supracitado, embora tenha vigorado pelo prazo de 30 dias, permitindo que diversas pessoas físicas e jurídicas negociassem os títulos da Dívida Pública Interna Fundada Federal no período de 14 de dezembro de 1995 a 12 de janeiro de 1996, devidamente registrados em cartório, constituindo diversas situações jurídicas.


Com base nessa realidade, e principalmente porque o art. 62, parágrafo único, da CF determina que o Congresso Nacional deve disciplinar as relações jurídicas decorrentes de medida provisória não convertida em lei no prazo de 30 dias, o Deputado Augusto Viveiros, relator designado para apreciar a MP 1.275/98, apresentou em IQ de julho de 1998 0 Projeto de Decreto Legislativo n. 699/98, que visa: "disciplinar a situação jurídica das pessoas físicas e jurídicas, que negociaram títulos da Dívida Pública Interna Fundada Federal a que se refere o Decreto-lei 263/67, alterado pelo Decreto-lei 396/68, no período em que esteve em vigor a redação do art. da MP 1.238/95' cujo art. I Q vaticina: "O Poder Executivo fixará, mediante decreto nos meses de janeiro e julho de cada ano, os limites de substituição dos títulos a que se refere o DL 263/67, para o respectivo exercício". Art. 29 : "O disposto no artigo anterior somente se aplica aos títulos que tenham sido negociados no período compreendido entre os dias 15 de dezembro de 1995 e 12 de janeiro de 1996".


Em sendo o decreto legislativo aprovado, será que aquelas pessoas que, embora detentoras dos títulos, não fizeram negócio naquele período serão prejudicadas? Estamos que, no particular, deve ser aplicado o princípio da isonomia, consagrado no caput do art. 5 Q da Lex Fundamentalis, que determina haver tratamento igual para as pessoas situadas no mesmo plano jurídico. Por outro lado, analogicamente, deve-se resguardar o direito dos detentores desses títulos, haja vista ser a analogia fonte formal do direito de natureza supletiva ou subsidiária.


Aumentando o âmbito de considerações, digno trazer à liça o texto apresentado pelo Senador Edison Lobão de Emenda Aditiva à MP 1.697-59, de 26 de outubro de 1998, que dispõe sobre os "títulos da dívida pública de responsabilidade do Tesouro Nacional", autorizando o Governo Federal a emitir títulos escriturais da dívida pública chamados de LTN (Letras do Tesouro Nacional), LFT (Letras Financeiras do Tesouro) e NTN (Notas do Tesouro Nacional) para "prover o Tesouro Nacional de recursos necessários para cobertura de seus déficits", cujo art. 6Q frisa: "a partir da data de seu vencimento, os títulos da dívida pública terão poder liberatório para pagamento de qualquer tributo federal, de responsabilidade de seus titulares ou de terceiros, pelo seu valor de resgate".


Através da emenda, o citado senador tenta acrescentar ao art. 11 da MP 1.697, que sublinha: "Ficam revogados o art. 30 da Lei n. 8.177 de I Q de março de 1991, a Lei n. 8.249, de 24 de outubro de 1991, 0 Decreto-Lei n. 1.079, de 29 de janeiro de 1970, e os arts. 3 Q e 52 do Decreto-Lei n. 2.376, de 25 de novembro de 1987", a seguinte expressão: ... "e os arts. 32 do Decreto-lei n. 263, de 28 de fevereiro de 1967, e o I Q do Decreto-lei n. 396, de 30 de dezembro de 1968, e as demais disposições em contrário".


Na justificação da emenda o ilustre parlamentar afirma: "Na opinião expressa em pareceres emitidos por respeitados e acreditados juristas brasileiros, (...) o resgate parcial ocorrido em 1967/68, dos títulos de que trata o Decreto-lei n. 263/67, complementado pelo de n. 396/68, processou-se de forma absolutamente irregular, sobretudo por ter sido esse resgate parcial realizado com apoio em diploma legal (DL 263/67) ineficaz juridicamente, não regulamentado, contrário a direitos adquiridos e por ter ferido leis em plena vigência e a própria Constituição Federal" Frisa, outrossim, que: "Se não bastasse essa cristalina e respeitada conclusão, (...) uma nova e respeitada decisão em favor dessa matéria acaba de ser tomada na área jurídica, refere-se essa nova e citada indicação ao recente papel assumido pelo Poder Judiciário, a respeito da matéria sob exame. Aclamando e acatando as conclusões dos pareceres jurídicos aqui referidos, e considerando sobretudo uma nova prova inequívoca de direito, que lhe foi presenteada pelo próprio Poder Executivo — quando da reedição da Medida Provisória n. 1.238, de 14 de dezembro de 1995, que alterou o art. 30, introduzindo um parágrafo terceiro (§ 3 Q O Poder Executivo fixará, mediante decreto, nos meses de janeiro e julho de cada ano, os limites de substituição dos títulos a que se refere o Decreto-lei n. 263, de 1967, para o respectivo exercício.) — O Poder Judiciário, através de várias instâncias federais, decidiu acolher ações declaratórias de tutela antecipada, segundo a qual está reconhecida a legalidade, validade e obrigatoriedade de o Governo Federal resgatar os títulos de que ora se trata, devidamente atualizados, permitindo, ademais, o uso desses títulos em compensações fiscais e na privatização. De relevante, no bojo dessas decisões judiciais, afigura-se-nos a convicção de direito com que os juízes federais estão acolhendo essas ações declaratórias e de tutela antecipada. Parece-nos oportuno ressaltar, do exame que nos foi permitido fazer em alguns casos, que a fundamentação jurídica com apoio na inserção do citado § 3 2 na MP 1.238 assume importância capital no processo decisório, haja vista a conclusão daí re sultante quanto a que esse evento (§ 32) teria assegurado aos credores (detentores de apólices) um direito adquirido, dado o explícito e legal reconhecimento da dívi da pelo Governo Federal. E oportuno registar que a Medida Provisória n. 1.238,' de 14-12-95, nada obstante uma ineficaz proposta de retificação publicada aos 20.12.95, (...) permaneceu em vigor até 12 de janeiro de 1996, quando da edição da MP 1.275, que, em seu art. 4Q reza: 'Ficam convalidados os atos praticados com base na Medida Provisória n. 1.238, de 14 de dezembro de 1995"'.


Por via de conseqüência, diante dos argumentos colacionados, não há negar que as apólices e demais títulos da dívida pública a que se refere o Decreto-lei n. 263/67 alterado pelo Decreto-lei n. 396/ 68 são válidas e devem ser resgatadas, con-igidas monetariamente. E sobre o atual valor existe um parecer da Fundação Getúlio Vargas emitido por Clóvis de Faro e Luiz Guilherme Schymura, definindo o valor atualizado dessas apólices, tanto para o valor de face quanto para os juros capitalizados.


Da utilidade das apólices na Justiça do Trabalho


Diante das considerações retromencionadas, tendo os títulos públicos o caráter e a forma de cártula circulante, e por acharmos válidas e imprescritas as respectivas cédulas representativas dos Títulos da Dívida Pública, estamos que as mesmas constituem garantia real, e por serem garantia real, a doutrina e a jurisprudência vêm-se conduzindo de forma a aceitar a utilização delas para os mais variados fins.


Sob os auspícios da Justiça do Trabalho, estamos que pode ser utilizada como forma de garantia de juízo, através da penhora (CLT, art. 880) ou para substituição desta, também com base na gradação legal vigente prevista no art. 655, III, do CPC, combinado com o art. 620 do mesmo diploma legal, que consagra princípio de que a execução tem de se pautar da forma menos onerosa.


Em primeiro lugar porque a CLT estipula no seu art. 882 que: "O executado que não pagar a importância reclamada poderá garantir a execução mediante depósito da mesma, atualizada e acrescida das despesas processuais, ou nomeando bens à penhora, observada a ordem preferencial estabelecida no art. 655 do Código de Processo Civil".


Logo, a própria CLT é expressa no sentido de se adotar a gradação prevista no art. 655 do CPC. E, como foi visto, os títulos públicos encontram-se em terceiro lugar na ordem gradativa, só perdendo para dinheiro e para pedras preciosas.


Em segundo lugar, deve ser observado, também, o constante no art. 620 do CPC, por força do princípio da subsidiariedade previsto no art. 769 da CLT, verbis: nos casos omissos, e quando não haja incompatibilidade, o direito processual comum será usado subsidiariamente pelo direito processual do trabalho.


Noutro falar, usa-se o direito processual comum quando sobre o caso a resolver não houver normas no bojo da CLT (omissão), como no caso da impenhorabilidade de bens (CPC, art. 649) e da regra da execução menos gravosa (CPC, art. 620), desde que haja compatibilidade da norma utilizada com o próprio espírito da legislação trabalhista.


Se forem oferecidos títulos como penhora, ou solicitado a substituição de penhora já feita pelos títulos e o juiz negar, como não cabe agravo de instrumento no Processo do Trabalho de decisão interlocutória, cabível será o mandado de segurança dessa decisão, haja vista que estará violando direito líquido e certo.


E que o juiz não pode negar nem mesmo se baseando no art. 688 do CPC ou no art. 15, I, da Lei n. 6.830/80. É que se o devedor requerer a substituição da penhora por dinheiro, o juiz tem a obrigação de acolher de pronto o requerimento. Entrementes, se for requerida a substituição da penhora por títulos públicos, caso o bem penhorado não seja dinheiro ou pedras preciosas, o juiz não poderá deixar de deferir o pedido consoante giza o art. 655, III, do CPC combinado com o art. 620 do mesmo diploma.


Ademais, mesmo que o bem penhorado seja dinheiro ou pedras preciosas, estou que o princípio de que a execução deve pautar-se da forma menos gravosa para o devedor autoriza o magistrado a substituir o dinheiro ou as pedras preciosas pelos títulos públicos, principalmente se o devedor provar que necessita daquele bem dado em garantia para suprir o ciclo normal da empresa, v. g., para pagar folha de pagamento, impostos, ou adquirir matéria-prima necessária à vida útil da empresa.


Como forma de garantia de juízo através de penhora, o art. 655 frisa: "Incumbe ao devedor, ao fazer a nomeação de bens, observar a seguinte ordem: ... III — títulos da dívida pública da União ou dos Estados" (salientamos).


O art. 11 da Lei n. 6.830, por seu lado, vaticina: "a penhora ou arresto de bens obedecerá a seguinte ordem: ...II título da dívida pública, bem como título de crédito, que tenham cotações em bolsa" (salientamos).


Se dívida da Fazenda Pública, o inciso II do art. 11 da Lei n. 6.830/80, com respaldo nos arts. 205 e 206 do CTN, garante às apólices o segundo lugar da preferência legal, depois do dinheiro em espécie (inciso I). Nos demais casos de débito, o inciso III do art. 655 do CPC garante a preferência das apólices em terceiro lugar após dinheiro (inciso I) e pedras e metais preciosos (inciso II).


Por outra parte, o art. 620 do CPC, consagrador do princípio da não-prejudicialidade do devedor ou da simplificação da execução, estabelece que: "Quando por vários meios o credor puder promover a execução o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor".


No particular, para melhor embasar nosso ponto de vista, não é supérfluo tecermos algumas considerações acerca do princípio em tela.


Inicialmente, oportuno aludir que toda a ordenação jurídica assim como todo instituto jurídico de relevância é norteado e informado por princípios, quer sejam constitucionais ou infraconstitucionais. A execução também possui uma série de princípios para se basear e se nortear, e um deles, talvez o mais importante, é o consagrado no art. 620 do CPC.


Ensina De Plácido e Silva que princípio, "derivado do latim principium (origem, começo), em sentido vulgar, quer exprimir o começo de vida ou o primeiro instante em que as pessoas ou as coisas começam a existir. E amplamente indicativo do começo ou da origem de qualquer coisa. No sentido jurídico, notadamente no plural, quer significar as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa. E, assim, princípios revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixaram para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica. Desse modo, exprimem sentido. Mostram-se a própria razão fundamental de ser das coisas jurídicas, convertendo-se em perfeitos axiomas. Princípios jurídicos, sem dúvida, significam os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito. Indicam o alicerce do Direito. E, nesta acepção, não se compreendem somente os fundamentos jurídicos, legalmente instituídos, mas todo axioma jurídico derivado da cultura jurídica universal. Compreendem, pois, os fundamentos da Ciência Jurídica, onde se firmaram as normas originárias ou as leis científicas do Direito, que traçam as noções em que se estrutura o próprio Direito. Assim, nem sempre os princípios se inscrevem nas leis. Mas, porque servem de base ao Direito, são tidos como preceitos fundamentais para a prática do Direito e proteção aos direitos".


E sabido e consabido que os princípios cumprem perante o Direito as mais diversas funções, quer seja na fase da elaboração da norma jurídica, chamada por Delgado de fase "inicial, pré-jurídica ou pré-política", quer seja na fase "propriamente jurídica ou tipicamente jurídica", quando a norma já foi elaborada, encontrando-se em pleno vigor . Nesse espírito, é na segunda fase que os princípios encontram-se verdadeiramente patenteados e de manifesta utilização.


Na fase inicial, "pré-jurídica ou prépolítica", os princípios gerais do direito, além daqueles específicos a certos ramos, influem profundamente, embora de maneira limitada , na construção e elaboração das normas jurídicas, norteando os parlamentares, encarregados dessa tarefa.


É nessa fase que eles agem como "virtuais fontes materiais do Direito" como "veios iluminadores à elaboração da norma jurídica". Ex.: princípios sociais, princípios morais, princípio da razoabilidade etc.


Na fase posterior ou "jurídica", os princípios assumem funções diversificadas. Aqueles denominados "descritivos ou informativos" têm o destacado papel na exegese do Direito, não por atuarem como fonte formal, mas como "instrumental de auxílio à interpretação jurídica", já que sua função é contribuir no processo de compreensão da norma10 Ex.: princípio in dubio pro misero no Direito do Trabalho. Por outro lado, os princípios "normativos" têm o afã crucial de orientar os cientistas e aplicadores do Direito no "processo de integração jurídica" .


Outrossim, é alvissareiro asseverar que os princípios, em outro plano, podem objetivar o papel de "fontes formais supletivas do Direito", sendo utilizados como "fontes normativas subsidiárias, à falta de outras normas jurídicas utilizáveis pelo intérprete e aplicador do Direito"ll Ex.: princípio da isonomia etc.


No particular, "a proposição consubstanciada no princípio incide sobre o caso concreto, como se norma jurídica específica fosse"12 É o que se processa em situações onde certamente não existem normas jurídicas no conjunto das fontes normativas existentes. Estes são chamados de "princípios normativos", já que agem como normas jurídicas sobre determinados casos concretos não abrangidos por fonte normativa específica.


Essa utilização dos princípios como fonte normativa é expressamente autorizada pelos arts. 4Q da Lei de Introdução ao Código Civil, 126 do Código de Processo Civil e 8Q da CLT. O princípio da simplificação da execução ou não-prejudicialidade do devedor, como dito, é consagrado no art. 620 do CPC.


Em conformidade com o princípio em apreço, a execução deve pautar-se pela simplificação dos trâmites processuais.


Deve, ademais, processar-se dentro do possível, do modo menos oneroso ou gravoso para o devedor, pois a execução deve ser econômica.


O fundamento do respectivo princípio é de ordem pública.


Com efeito, quando o credor puder, por diversos meios, promover a execução, o juiz determinará que se faça pelo modo menos gravoso ou dispendioso ao devedor.


O objetivo desse princípio, enfatiza Sérgio Sahione Fade], é proteger o devedor. "Normalmente o executado, para chegar a essa situação de sofrer a actio judicati, já está atrapalhado com dificuldades. (...) Assim, se houver vários meios através dos quais a execução possa ser promovida, deverá (não poderá, porque é dever, não faculdade) o juiz determinar que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor".


Vaticina, outrossim, que "embora compita ao credor escolher o meio para a execução (art. 615, I) pode o executado, demonstrando as conveniências de, por outro modo, satisfazer a obrigação, pleitear do juiz que a execução se processe de acordo com a preservação de seus interesses, no que isso respeita com os ônus que decorrem da actio judicati. O importante é, em todos os casos, que, qualquer que seja o meio empregado, haja a obtenção do fim pretendido pelo exeqüente, que é a sua reparação, e o menor sacrifício possível para o executado".


Oportuno acrescentar que a terminologia do CPC é paradoxal, haja vista ser impossível a execução, em si mesma, poder ser realizada "por vários meios". A própria natureza da obrigação já indica a espécie de execução. Ou é para entrega de coisa, ou de obrigação de fazer etc. "O que poderá acontecer é que dentro da execução própria, pertinente, hábil, haja possibilidade de atos menos gravosos ou mais gravosos, sem que isso altere a espécie escolhida pelo credor, segundo as determinações legais." Por conseguinte, os "vários meios de executar" dizem respeito a atos em cada execução e não às espécies de execução, como o dispositivo dá a en tenderia
Nesse espírito, "todos os meios executivos são onerosos para o executado, mas não seria justo e seria inútil que se preferisse um meio mais custoso, quando por outro menos pesado pudesse o exeqüente conseguir o mesmo resultado prático. É um elevado princípio de justiça e eqüidade, informativo do processo das execuções, este que o Estado deve, quanto possível, reintegrar o direito do exeqüente com o mínimo de despesa, de incômodo e de sacrifício do executado. Jus est ars boni et aequi, isto é, a sistematização do que é conveniente e útil".


Ainda sobre o assunto, "o interesse social e a finalidade ética do processo exigem, sem sombra de dúvida, que a dívida (em acepção ampla) seja totalmente adimplida. Mas, nem por isso, o credor tem o direito de agravar a situação do devedor, no curso da execução, escolhendo meio mais oneroso do que outro que possa alcançar o mesmo alvo, quer por ignorância como, geralmente, por má-fé, com a intenção preconcebida de lesar o devedor.
Esta regra que, no ordenamento processual brasileiro, apareceu, pela vez primeira, no art. 903 do Código anterior (em redação quase igual à atual), funda-se no princípio do favor debitoris ou in dubio pro devedor, concedendo primazia, privilégios e garantia em prol do sujeito passivo, para evitar o agravamento que, normalmente, a execução já lhe causa, desde que sem utilidade para o credor. Enquanto for possível, em vários atos da execução, obstar situações lesivas para o devedor, esse poderá usar das prerrogativas que a lei lhe outorga, mas sempre respeitando os direitos do credor".


Recrudescendo a seara de considerações, oportunas as palavras de Frederico Marquesi sobre o assunto quando giza que o postulado de sentido humanitário e moral se revela nos seguintes atos, alguns de cunho até tradicional: a) o direito da nomeação de bens à penhora, partindo a ordem dos que menos prejuízo devem causar ao devedor até aos mais lesivos, embora a seqüência seja a mais vantajosa também para credor (art. 655); b) a irrealização da penhora, quando os bens forem suficientes apenas para o pagamento das custas do processo (art. 659, § 22); c) a substituição do bem penhorado por dinheiro, antes da arrematação ou da adjudicação (art. 668); d) a redução da penhora, quando excessiva em relação à dívida (art. 685, I); e) a suspensão da arrematação, sem continuar nos outros bens penhorados, no momento em que o produto bastar à liquidação da dívida (art. 962); f) a alienação apenas de parte de imóvel suficiente para pagar o credor (art. 702); g) a declaração de auto-insolvência (art. 759, c/c o art. 748).


Alcides de Mendonça Lima acrescenta ainda: a) o direito de oferecer ao credor a prestação devida (art. 570); b) a impossibilidade de o credor mover a execução, se o devedor cumprir a obrigação (art. 581); c) o direito de ser depositada a prestação pelo devedor, a ser recebida pelo credor depois que esse cumprir a sua (art. 582, parágrafo único); d) obter o devedor a reparação pela execução provisória frustrada pela reforma da sentença (art. 588, I); e) a execução provisória em autos suplementares, onde houver; f) impor ao credor a execução em bens em seu poder pertencentes ao devedor (art. 594); g) a declaração de nulidade da execução nos casos de irregularidade (art. 618); h) o Usufruto a favor do credor, se beneficia o devedor (art. 716); i) o recebimento de embargos com efeito suspensivo, obstando que o credor, de imediato, se aproveite da execução (art. 741, c/c os arts. 745 e 623) 20.


E o modo menos gravoso para o devedor, de qualquer espécie, é aquele garantido pela lei: dentro da gradação legal, há que ser obedecida a enumeração constante do art. 655 do CPC, que é taxativa e obrigatória, ou, se tratar de dívida para com a Fazenda Pública, o art. 11, II, da Lei n. 6.830. Obedecida a ordem legal, deve ser aceita a nomeação de bens para garantia do juízo e seus subseqüentes atos, repise-se, ou mesmo a ação correspondente para receber a tutela jurisdicional para cada caso isolado.


E é sabido e consabido ser perfeitamente possível a penhora de título. Vejase o que estabelece o art. 672 do CPC: "A penhora de crédito, representada por letra de câmbio, nota promissória, duplicata, cheque ou outros títulos, far-se-á pela apreensão do documento, esteja ou não em poder do devedor" (salientamos).
Quanto à substituição da penhora por título público, nem se argumente que o art. 688 do CPC só permite a substituição do bem penhorado por dinheiro, e que o art. 15, I, da Lei n. 6.830/80 só permite a substituição por dinheiro ou por fiança bancária. E que se o devedor requerer a substituição por dinheiro, no primeiro caso, ou por dinheiro ou fiança bancária, no segundo, o juiz tem a obrigação de acolher de pronto o requerimento. Entrementes, não se tratando de execução fiscal, se for requerida a substituição da penhora por títulos públicos, caso o bem penhorado não seja dinheiro ou pedras preciosas, o juiz não poderá deixar de deferir o pedido, consoante giza o art. 655, III, do CPC, combinado com o art. 620 do mesmo diploma. Se, entretanto, a execução for fiscal, apenas em caso de penhora sobre dinheiro vivo é que o juiz poderá negar a substituição. E em matéria de penhora sobre qualquer outro tipo de bem corpóreo ou incorpóreo, presente ou futuro, o magistrado tem o dever de deferir a substituição requerida, conforme a regra albergada no art. 11, 11, da Lei n. 6.830/80, combinada com o art. 620 do CPC.

 

Transformando

Sonhos em Realidade

Na primeira parte da minha autobiografia, conto minha trajetória, desde a infância pobre por diversos lugares do Brasil, até a fundação do grupo Ser Educacional e sua entrada na Bolsa de Valores, o maior IPO da educação brasileira. Diversos sonhos que foram transformados em realidade.

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